Sábado, 20 Abril

«Antes o Tempo Não Acabava» por André Gonçalves

Um ritual índio de iniciação, que envolve meter formigas em luvas, para depois colocar nas mãos de crianças, serve de prólogo a esta narrativa partida entre dois extremos: um mais realista, outro mais surrealista (um “realismo mágico“). 

A ideia de Sérgio Andrade e Fábio Baldo é absolutamente louvável: mostrar uma Amazónia que está longe do postal turístico, onde existe ainda uma civilização índia em colisão com o mundo “industrial” de Manaus – e a colisão entre o realismo e o surrealismo tem aqui esta justificação, a de mostrar um baralhado Anderson, um índio “queer” andrógeno, entre dois mundos, duas civilizações – a índia e a branca. Entre o canto tribal e a música de Kraftwerk. Entre o ancião da tribo, convencido em conduzir um novo ritual para corrigir o que falhou, e uma trabalhadora de uma ONG que lhe tenta ganhar a confiança que as ONG que retiraram. 

A execução, infelizmente, está longe de concretizar todas as ideias aqui presentes. Por um troço de filme, sentimos ainda confiança que o filme consiga apresentar as suas ideias e contradições de uma forma que seja apaixonante de seguir… mas o baralhar crescente de situações deixa o espectador a apanhar pequenos pedaços de um puzzle que não é suposto ter solução. O fluxo do filme é turvo, e a opacidade reflete-se na apresentação dos secundários, que simplesmente aparecem, e com os quais ficamos ainda mais distantes que o protagonista. 

Fica um retrato único, ficam apontamentos antropológicos, momentos individualmente fortes que nunca conseguem colar com o restante filme. E a certeza que, sendo uma obra tão pessoal para os seus realizadores, esta obra foi catártica pelo menos para eles e a quem se dirige. E claro, a quem esteja disposto a apreciar um filme pelo que nunca foi mostrado anteriormente…  

o melhor: mostrar uma Amazónia que nunca tinha sido vista

o pior: a execução ficar muitos furos abaixo da ideia original

André Gonçalves

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