Crip Camp – Uma Revolução na Inclusão já está disponível na Netflix

Ninguém diria que um campo de verão para pessoas com deficiência, dirigido por hippies inexperientes, à beira de Woodstock, em 1971, se transformaria numa verdadeira incubadora de mentes e corpos que lutariam com todos os meios ao seu alcance para que – finalmente – a inclusão destas pessoas na vida e princípios quotidianos valores adquiridos, mas nunca realmente se têm a noção do que custou a conquista e a luta intermédia que foi necessária para chegarmos onde estamos – sabendo de antemão que há ainda muito a fazer.

Crip Camp, documentário apadrinhado pelos Obama, que chegou esta semana à Netflix, mais que um crowd pleaser exemplar da luta pelos direitos civis, é um exercício documental extraordinário na investigação, articulação dos arquivos fílmicos e montagem evolutiva dos eventos.

Misturando entrevistas nos dias que correm com imagens de arquivo de inequívoco valor histórico, no documentário seguimos como desde a década de 1970 para cá a batalha das pessoas com deficiência por um reconhecimento de igualdade em relação aos outros se processou. E é nesse campo de verão, onde pela primeira vez os jovens que o visitaram e passaram alguns dias – entre atividades lúdicas, aprendizagem, e namoricos com direito até a pragas de chatos – se sentiram iguais e não à margem da sociedade, tratados entre a condescendência, incômodo e a distância.

Convém lembrar que durante séculos, a começar na Idade Média, a pessoa com deficiência eram vistas como uma aberração, um “monstro” concebido sob um qualquer pecado com o respetivo castigo divino. Depois disso, a sociedade passou afastar a “criatura” da sociedade, colocando-os em instituições fechadas, frequentemente sanatórios, ou então ainda mais enclausurados e longínquos dos restantes cidadãos. Esse afastamento, ou compartimentação longe dos “normais”, durou até há bem pouco tempo, como até é descrito neste documentário, quando em pequenas saídas do campo de férias para atividades na cidade, eles eram vistos como prejudiciais para os comerciantes e afastados do espaço público de atendimento.

No centro do nascimento do ativismo pelos direitos destas pessoas encontramos Judy Heumann, uma mulher que esteve nesse campo de férias e que se transformaria verdadeiramente num dínamo no combate contra o preconceito da sociedade e do governo, que foi adiando o que podia a tomada de medidas por motivos económicos. E é essa luta – onde até nem faltam os Panteras Negras à mistura e outras organizações – que a segunda metade do documentário aborda.

Assinado por Nicole Newnham e Jim LeBrecht (que fez também parte do acampamento e fez carreira a trabalhar no som para cinema e tv), Crip Camp é um documentário honesto e bem estruturado sem cair na manipulação emocional, na sacarose do cinema para massas e no didatismo exacerbado, misturando melancolia com conquistas dos direitos civis.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
crip-camp-do-campo-de-ferias-a-revolucaoCrip Camp é um documentário honesto e bem estruturado sem cair na manipulação emocional, na sacarose do cinema para massas e no didatismo exacerbado, misturando melancolia com conquistas dos direitos civis.