Terça-feira, 19 Março

«The Handmaid’s Tale», a simbologia

Medo! É esta a palavra que melhor justifica o brilhantismo e o sucesso daquela que é uma as melhores e mais intensas séries dos últimos tempos.

Associada à palavra medo está a palavra fascínio. É que nós, seres humanos, temos por hábito ser fascinados pelo que tememos e se a esta estrondosa equação juntarmos a abordagem à podridão humana percebemos facilmente porque é que a série Hulu é um feito único.

«The Handmaid’s Tale» é uma criação de Bruce Miller baseada no romance homónimo de  Margaret Atwood. De forma resumida, a série enquadra-se numa época após um atentado terrorista que termina com a morte do Presidente dos Estados Unidos e de grande parte da classe política eleita. Depois destes eventos, uma facão católica extremista toma o poder com o intuito declarado de restaurar a paz, instalar a ordem e povoar o pais. Os EUA passam a ser a República de Gilead, um regime totalitário baseado nas leis do Antigo Testamento. Com exceção das mulheres dos membros do novo governo, todas as minorias, mas sobretudo as  mulheres são remetidas ao último patamar do estrato social. Entre estas mulheres há Offred (Elisabeth Moss) uma “handmaid”, ou seja, uma mulher cujo único objetivo de vida é o de procriar para manter aceitáveis os níveis demográficos da população. Offred é entregue à casa de um Comandante, um oficial de alto escalão do regime como escrava sexual/útero, mas esta relação acaba por destoar dos rumos planeados e aceites pelo sistema vigente.

É a delicada posição na fronteira entre a ficção e a realidade que torna «The Handmaid’s Tale» assustadora. Mas além desta delicada posição, a história da série aborda ainda a linha que não separa a razão da religião. A série Hulu não está assim tão distante de passar de uma terrifica hipótese, a uma difícil realidade. No dantesco cenário deste conto, o presente é estéril e caros leitores, sabemos bem como – de acordo com os especialistas – para lá caminhamos.

A magnifica personagem principal, Offred tem uma vida de horror. Entre Comandantes, as suas malvadas mulheres, as domésticas Marthas, os espiões do regime e as restantes handmaids, tem como propósito máximo, sobreviver para reencontrar a filha e o marido que abruptamente lhe foram tirados.

A série está repleta de simbolismos. Uns mais óbvios que outros mas todos com um sentido muito claro e que ajudam a aprimorar o argumento.

Vermelho

As “servas” são obrigadas a usar vestidos vermelhos, longos e largos que cobrem o corpo na integra. O propósito destas vestes é a indicação da sua função e obrigação na Gilead: ter relações sexuais uma vez por mês com os Comandantes na esperança de conceber e dar à luz uma criança saudável que será entregue às mulheres das altas patentes que as criaram como suas.

Neste contexto, o vermelho é sinónimo de fertilidade, simboliza a cor do sangue menstrual. Como oposto, as mulheres dos comandantes usam azul, a cor associada à Mãe de Jesus, a Virgem Maria.

A utilização do vermelho nas roupas das “escravas” pode ser também visto como sinónimo de poder. É que na verdade e apesar do seu estatuto de “propriedade de alguém”, estas mulheres têm poder, têm o poder de se reproduzirem. Não podemos ignorar que historicamente o vermelho é símbolo de poder. É ainda hoje usada por reis e papas.

Mas não podemos ignorar que ao vermelho também é associado o pecado, basta recordar, por exemplo, a história de The Scarlet Letter de Nathaniel Hawthorne. Para as mulheres dos líderes, as handmaid’s são  prostitutas, pouco mais do que animais. 

O vermelho é um dos elementos mais importantes da simbologia da série, a palavra “red” está presente no nome da protagonista “Offred” e até no nome do Comandante  Fred Waterford, interpretado por Joseph Fiennes.

Distopia

É um reflexo dos regimes autoritários / totalitaristas. Ao longo dos episódios, a série tem muitas referencias à Bíblia: a glorificação do casamento, a absolvição do adultério por parte dos homens, a veneração, a humildade e a subserviência, etc.

Mas, na verdade a religião praticada na República não é a palavra escrita de Deus, é a palavra do Estado. Em The Handmaid’s Tale, a Bíblia é adaptada ou alterada para promover os objetivos da República.

Os “Olhos de Deus”

Os olhos de Deus são os elementos da polícia secreta de Gilead. Trabalham para o governo e estão localizados e infiltrados por todo o lado. Qualquer um pode ser um Olho, e esta suposição está impregnada nas personagens que temem constantemente o estarem a ser observados.  Este olhos simbolizam a eterna vigilância de Deus ou neste caso, do Estado totalitário. Na teocracia de Gilead, os olhos de Deus e do Estado são assumidamente, o mesmo.

O Muro

O muro faz parte da estrutura de uma antiga universidade que – na época que a série aborda – é uma prisão administrada pelas forças policiais/militares da República. No muro são expostas os elementos que são executadas e penduradas com sacos sobre as suas cabeças de forma a mostrar aos cidadãos da República de Gilead que se portem de acordo com as normas. “we walk along the path once used by students, past buildings that were once lecture halls and dormitories… from the outside you can’t tell anything’s changed, except that the blinds are on most of the windows are drawn down. These buildings belong to the eyes now.” – Offred.

O símbolo das Handmaid

 

Durante as cerimônias de execução, um grande símbolo pode ser visto pendurado numa espécie de palco. A imagem feminina situada ao centro é a de uma deusa, a adaptação de uma antiga estátua egípcia, que estando colocada ao centro e rodeada por um semicírculo, simboliza o útero e uma lua crescente, ambas as referências à fertilidade.

Flores

Seja em cima de uma mesa, seja num papel de parede, as flores são constantes na série. São símbolo de fertilidade e de reprodução. Representação de beleza, as flores são usadas para simbolizar o que as mulheres da obra carecem: beleza individual e a capacidade de crescer e reproduzir livremente.

Se a adaptação do livro à televisão é brilhante, a realização e sobretudo a interpretação não deixam ninguém indiferente, os Emmy’s que recebeu comprovam-no e são totalmente merecidos. A mensagem da história de Margaret Atwood é difícil, dura, cruel e as metáforas são uma constante. É público que a autora foi inspirada pelos movimentos puritanos e protestantes dos reformistas ingleses que instalaram colónias na costa leste dos EUA nos séculos XVI e XVII. Mas a realidade e contexto atual, fizeram com que esta série (mais do que o livro) ecoasse na realidade contemporânea norte-americana e não só.

As all historians know, the past is a great darkness, and filled with echoes.”

–  Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale

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