Sexta-feira, 29 Março

The OA: a mente, a vida e a morte

Até ao início desta semana, pouco ou nada se sabia do novo projeto da Netflix, The OA, um thriller sobrenatural com diversos elementos de fantasia e mistério até que derradeiramente se revela como um drama psicológico onde a mortalidade, a sanidade mental, a esperança e a sobrevivência andam de mãos dadas.

Tudo isto em meros oito episódios que se consomem facilmente devido a uma engenhosa intriga – uma espécie de Stranger Things “mixado” com Flatliners (Linha Mortal) e No Limiar da Realidade (The Outar Limits). Apesar de, a certo ponto, se tornar inverosímil (os movimentos de dança ao estilo Chandelier de Sia como uma forma de linguagem têm tanto de belo como de risível e até nonsense), a série acaba por se cimentar engenhosamente num final onde é impossivel não recordar que “certas coisas acontecem por uma razão” – uma ideia a qual M. Night Shyamalan nos tinha dado no seu poderoso e muitas vezes maltratado Sinais (Signs).

Criado a meias por duas habituais presenças no Festival de Sundance, Brit Marling e Zal Batmanglij, que já tinham colaborado em Sound of My Voice e The East, OA partilha muito do código genético dessas produções, não só no caso da personagem conhecida como Prairie/OA, mas também no tribalismo e dos laços criados por grupos sobre pressão – estejam eles num cativeiro por opção ou forçados por um obcecado qualquer que quer ser o novo Copérnico. Referenciar Outra Terra (Another Earth), no qual Marling também participa, revela-se ainda obrigatório – até porque as temáticas da série e do filme tocam-se por diversas vezes.

OA começa com uma jovem mulher (Marling) a saltar de uma ponte mas sobrevivendo à queda. Aos poucos vai nos sendo entregue o seu pano de fundo, descobrindo o telespectador que esta estava desaparecida há sete anos e que sofreu alterações profundas. Para além de mudanças inexplicáveis que a tornaram para a sempre intrusiva imprensa num «milagre», Prairie, que agora se autodenomina OA, tem a sua história para contar – não só a nós como ao grupo de cinco pessoas que, entretanto, encontra pelo caminho e que lutam elas mesmas contra os seus demónios interiores e procuram o seu «eu invisível».

Marling, que dissesse se ter inspirado na força e complexidade das personagens femininas das animações de Hayao Miyazaki, como a Princesa Mononoke, é sem dúvida nenhuma o centro de todas as atenções pela sua ambivalência, fazendo sempre o telespectador andar numa corda bamba em acreditar ou não naquilo que nos vai contando – até porque não faltam mesmo temas como o imprisionamento forçado, a possibilidade de diferentes dimensões, a vida após a morte, premonições e até uma história de amor de contornos platónicos e celestiais. OA ou Prairie, como quiserem chamar, é uma verdadeira Matriosca (esta referência “russa” não é inocente), com camadas e camadas por revelar à medida que os episódios avançam.

A ela, e para além dos seus pais, juntam-se cinco personagens, todas elas parte de um liceu com os problemas típicos dos estudantes e professores: temos Steve (Patrick Gibson), o violento e problemático jovem que os pais querem enviar para um campo militar; Jesse (Brendan Meyer), um “orfão” sem rumo; French (Brandon Perea), um filho de uma família disfuncional que age como o elemento responsável, mesmo com a presença da mãe; Buck (Ian Alexander), com questões e problemas ligados à sexualidade constantes no seu dia a dia; e Betty (Phyllis Smith), uma professora desiludida e que sofre interiormente com a morte do seu irmão gémeo. A este rol de personagens somam-se outras tantas com quem partilhou o cativeiro no passado e cujas personalidades vamos conhecendo à medida que ela nos vais dizendo onde esteve nos últimos sete anos.

Viajando assim entre passado e o presente, o maior trunfo de OA é o seu constante sentimento de mistério (até no primeiro episódio, os créditos da produção só surgem bem lá para a frente), o qual nos prende sempre e sem que haja aquela sensação de episódios para “encher chouriços” para cumprir a formatação normal de 13 episódios de uma temporada.

A esse mistério acresce um drama ainda maior, e embora existam elementos que podiam ser melhor explorados e trabalhados (demasiadas conversas pseudo-metafisicas), OA acaba por cumprir e revelar que Marling e Batmanglij são mais que «darlings» de Sundance e têm mais para oferecer que os filmes indies que fazem as delícias dos Independent Spirit Awards.

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