Em abril deste ano [2018], num encontro com o teórico norte-americano Jonathan Beller na Cinemateca, foi abordada a importância do arquivo, não só em questões de preservação patrimonial, mas como “armas” à tentativa de adulteração histórica. Esta conversa surgiu como eco após a abertura desta curiosa curta-metragem do “verdíssimo” Carlos Miranda, que se foca no ANIM: Arquivo Nacional das Imagens em Movimento para interiorizar esse valor quase antropológico que o Cinema arrecada: “perderíamos a memória de um povo”.

Picotado com o formalismo do cinema de investigação, neste caso convertendo a preservação e restauração da pelicula num objeto de estudo que ultrapassa todo esse academismo espiritualizado, seguindo forte nas cadências de uma emotividade à Sétima Arte. Por entre os entrevistados, por entre as demonstrações do trabalho executado, 24 Memórias por Segundo (bela apologia dos 24 frames) é um pequeno filme que nos aproxima às imperfeições deste frágil universo chamado Cinema (brincadeiras cinematográficas pelo meio, com Frágil como o Mundo de Rita Azevedo Gomes a indiciar-se como “trocadilho”). Como diz, e muito sabiamente (devemos salientar), Filipe Lopes, um dos técnicos do ANIM, são as deformações da fita, a imagem cansada, cicatrizada e “defeituosa”, os sinais da história de vida imprimidas e projetadas aos olhos de todos, que nos conduzem à verdadeira essência do Cinema. Não se trata do filme em si, trata-se do filme a demonstrar que a “pelicula também tem uma vida”, o inanimado passa a ser animado, o morto (pensávamos nós) exibe a sua memória … 24 destas aliás … e por cada segundo.

Há neste trabalho uma curiosidade mórbida de Carlos Miranda, apenas possível com a sua paixão … possivelmente mais um amante … até porque os cinéfilos são isso mesmos … eternos amantes … os outros. Obrigado pelas emoções, porque em momentos como estes, onde digital e o streaming nos colocam num constante debate no que é o Cinema e o que não é, o amor à película abate-nos como aquelas memórias eternas, como a Paris que Bogart e Bergman recordam com longínqua compaixão. Sem elas, seriam, essas também, as memórias a desaparecer.