Terça-feira, 7 Maio

«Camille Claudel, 1915» por Roni Nunes

As contemplações ensolaradas de Bruno Dumont desta vez retornam através de fatos verídicos. No início do século XX, Camille Claudel (Juliette Binoche), historicamente célebre como escultora e pela relação conturbada que teve com seu mestre, Auguste Rodin, é internada pela família num manicómio. O filme relata a luta desesperada de Claudel para manter a serenidade num ambiente marcado pela solicitude fria das freiras e a demência dos demais hóspedes.

Como seria de esperar, o tratamento dado pelo realizador de Hadewijch e Fora Satanás não tem qualquer relação com a biografia nos moldes tradicionais patrocinada, no final dos anos 80, por Isabelle Adjani. Apesar de fornecer dados históricos concretos nos créditos inicias e finais desta obra, no geral ele está tão pouco interessado em fazer uma biopic que nem se dá ao trabalho de esclarecer o que está, afinal, por trás do confinamento de Claudel.

Apesar de tudo, é bem menos árido do que alguns dos seus trabalhos anteriores, cujos símbolos fantasmagóricos de cunho religioso aqui aparecem mais mesclados e acessíveis a um gosto mais contemporâneo. Isso porque em “Camille Claudel – 1915” a sua religiosidade aparece confrontada com algo mais palpável, como deixa entrever através do longo discurso anti materialista de Paul Claudel (Jean-Luc Vincent), irmão da escultora cuja visita representa a única dramatização em termos de história.

O imaginário visual de Dumont segue o padrão de outras obras suas: os seus protagonistas fartam-se de se deslocar (e a fazer genuflexões…) por paisagens verdejantes e normalmente ensolaradas – ora agitadas, ora calmas, ao sabor do espírito dos personagens. Numa cena, por exemplo, uma nervosa Claudel volta de um passeio deixando atrás de si um rasto de árvores retorcidas pelos ventos fortes; em outro momento, a longa arenga de paz religiosa desfilada pelo seu irmão é colmatada com um longo plano onde nada se move.

Outro fetiche do realizador a reaparecer é o de utilizar pessoas fora dos padrões de beleza tradicional, embora ele aqui tenha ido mais longe – ao pôr Binoche a contracenar, não com atores, mas com pessoas realmente desfiguradas pela doença e pela demência (uma opção não isenta de polémicas).

Bonito e doloroso, com Dumont a dar um uso interessante para as suas metáforas visuais que, no entanto, já começam a ficar um tanto gastas.

O Melhor: o retrato de um estado de espírito num momento histórico preciso
O Pior: mesmo dentro do período que é circunscrito, deixa questões importantes sem resposta


Roni Nunes

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