Sábado, 4 Maio

«Barbara» por Roni Nunes

Num universo onde a vida privada é reduzida ao mínimo, só o mundo interior pode ter interesse e ninguém como uma mulher para salvaguarda-lo. Barbara (Nina Ross) é uma médica que vive num regime ditatorial (o da antiga Alemanha comunista) e, como tantos dos seus colegas, foi punida através de um exílio interno. Da prestigiada Berlim, ela é transferida para uma pequena localidade do interior. Lá está à sua espera o chefe médico local (Ronald Zehrfeld). As primeiras cenas do filme revelam que ele também está conectado à polícia política e a médica recém-chegada também não tardará em saber. Apesar disto, a relação entre ambos não será de simples animosidade. 
 
O ambiente claustrofóbico dos regimes ditatoriais fornece o enquadramento ideal para o realizador alemão Christian Petzold construir aquilo que mais gosta: jogos de sombras onde o mais importante não é aquilo que se vê mas sim, quando muito, se advinham nos trejeitos minimalistas das expressões da sua atriz fetiche Ross, aqui no seu quarto trabalho com ele. 
 
Para servir de contraponto a estas paixões pouco perceptíveis, o cineasta costuma fixar seus signos visuais e dramáticos na calmaria de pequenas e ensolaradas cidades alemãs. Neste mundo gélido das aparências trafegam as suas personagens femininas, sempre observadas nos seus atos mais íntimos, mas cujas revelações são insondáveis. Aqui vê-se uma Barbara enclausurada entre dilemas difíceis, onde a dissimulação é mesmo uma forma de sobrevivência. Ou pelo menos até onde os desejos são controláveis…
 
A clausura nesta obra, no entanto, sai do plano menos visível de seus filmes anteriores (o medo do marido traído, em “Jerichow” ou a perseguição mais sugerida do que real pelo namorado possessivo de “Yella”) para tornar-se mais ostensiva. O agente da Stasi (Rainer Bock) fica horas dentro do carro à frente da sua casa e, quando ela fica ausente muito tempo, simplesmente invade-a e revista tudo diante dos seus olhos. Não que haja muito para vasculhar: Bárbara não tem uma verdadeira casa – tem um quarto alugado tão frio e vazio de personalidade quanto os corredores do hospital onde trabalha. A sua identidade não está à vista.
 
Como nos seus trabalhos anteriores, “Barbara” revela completo desinteresse pelas reviravoltas e twists dos fait-divers e Petzold nunca se dá ao trabalho de esclarecer grande coisa a propósito da história das suas personagens; o ponto não é esse, mas a forma como elas se movimentam num xadrez onde todas as peças vivem sob os fantasmas, não só da delação, mas também do desejo. 
 
Mesmo a questão política fica em segundo plano (há uma referência ao campo de concentração de Torgau e aos trabalhos forçados, mas pouco mais) e serve apenas como o mecanismo opressor que obriga as suas personagens a voltarem-se para dentro de si próprias. Se “Jerichow”, seu filme anterior foi, em parte, uma má escolha – devido a inspirar-se no clássico noir de James Caan que demandava uma maior expressividade – neste tudo funciona para demonstrar que, afinal, o mundo externo só destrói o interno até o ponto onde lhe é permitido.
 
 
 Roni Nunes

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