Segunda-feira, 29 Abril

«Nader and Simin, A Separation» (Uma Separação) por Inês Monteiro

 

“Uma Separação” abre com a exposição de um casal a um juiz que não se vê. Simin e Nader estão casados há 14 anos. Simin quer deixar Teerão e proporcionar à sua filha Termeh, de 11 anos, um crescimento em condições mais justas. Nader recusa-se a deixar o país porque tem a seu cargo o pai com Alzeihmer. Daí, decidem separar-se, mas Simin não chegará a deixar o Irão, pelo menos durante o tempo em que o filme decorre, já que a sua filha se recusa em ir com ela. Simin muda-se para a casa da mãe e Nader vê-se obrigado a contratar uma pessoa para cuidar do seu pai. Razieh, uma mulher tradicional da classe baixa, chega a casa de Nader com uma filha pela mão e outra que esconde dentro de si. O trabalho demasiado pesado, fá-la ter vários acidentes que levam Nader a despedi-la. Adensa-se então a luta de classes, de género e crenças religiosas. Não há certo nem errado, não há preto nem branco, mas um debate onde vários pontos de vista são expostos. Cada um defende a sua razão, num enredo complexo onde pequenas decisões têm grandes repercussões.
 
Razieh vê-se oprimida pelas suas crenças durante todo o processo. Logo no início, telefona para uma linha de apoio islâmica, para saber se é pecado ajudar o pobre idoso a despir-se. No fim, é de novo o seu receio em arder no inferno que a deixa manchada de vergonha perante a sua família.
 
A preocupação central de Nader é ser visto como um homem sensato e justo aos olhos da filha. É ela quem assiste a tudo e quem tem nas mãos a injusta decisão que lhe cabe tomar, num dos finais em aberto mais belos da História do Cinema.
 
A simpatia é reservada justamente às crianças desprotegidas – que se vêem a crescer num mundo de injustiças sociais e politicamente incorrecto – e ao idoso que perdeu a memória, e que é portanto poupado na trama. Mesmo depois de Razieh o amarrar a uma cama, Nader não consegue fazê-lo passar pelo exame, que o ajudaria a provar os maus tratos sofridos pelo pai. Nader não quer expô-lo, do alto da sua fragilidade e inconsciência, à sujidade deste processo. O seu pai é sagrado. 
 
O desespero de Nader é poucas vezes revelado, já que o seu carácter é forte e decidido, mas na cena em que lava o pai – um peso quase morto preso a uma cadeira de rodas – deixa cair a sua máscara. Não sabemos sequer se Nader tem consciência da forma violenta com que tratou Razieh. A sua integridade fica expressa desde o início, quando Simin lhe diz – “O teu pai nem sequer te conhece” – ao que ele lhe responde – “Mas eu conheço-o”.
 
“Uma Separação” é sobre as relações sociais em Teerão, um mundo que muitas vezes pensamos estar tão longe do nosso, mas onde os casais também se separam e as pessoas sofrem de Alzheimer.
 
Já galardoado em inúmeros festivais, recebeu o Urso de Ouro para Melhor Filme no Festival de Berlim, de onde também saíram vencedoras as interpretações de Peyman Moaadi, Leila Hatami, Sareh Bayat e Shahab Hosseini. Termeh foi magnificamente interpretada pela própria filha do realizador, Sarina Farhadi. A caracterização dos actores é fortíssima, suportada por um argumento também escrito por Asghar Farhadi.
 
É este cinema jovem, de cariz mais social do que político, que se segue aos grandes nomes de Kiarostami e Panahi. Com o seu já quinto filme, Farhadi acaba de entrar para a família e as cenas dentro de carros são certamente uma homenagem ao seu compatriota mais antigo. 
 
Inês Monteiro 

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