Quarta-feira, 1 Maio

Mr. Jones: Agnieszka Holland contra o legado totalitário da omissão

Império do efémero ideológico, a União Soviética (1922-1991), registada nos cliques e nas palavras do jornalista galês Gareth Richard Vaughan Jones (1905-1935), parece um filme de horror, cujas sombras ecoaram pela Berlinale há um ano.

Exibido na disputa pelo Urso de Ouro de 2019, apoiado na força plástica da sua estética clássica de épico, a cinebiografia de Gareth, Mr. Jones, da polaca Agnieszka Holland (de O Jardim Secreto) vem ganhando fãs cheios de ardor conforme passeia por circuitos da Europa.

O seu protagonista, James Norton arranca elogios na pele do repórter idealista que, após ter entrevistado Hitler (antes dos planos de dominação global do Früher) decide embarcar para a URSS atrás de uma conversa exclusiva com Estaline. A dica de que há uma crise de fome em solo ucraniano arrasta Gareth até lá, onde descobre um esquema de corrupção com a benção estalinista por trás da escassez de alimentos que mata milhares de pessoas.

Não consigo imaginar um crime institucional pior do que esse, naquela região, no século XX. Hoje, depois de Estaline posar entre os vencedores da 2ª Guerra Mundial, os seus atos são relativizados por uma parte da opinião pública russa, mas ele criou um jardim zoológico humano“, disse a cineasta de 71 anos em entrevista ao C7nema. “Não me peça para ser benevolente com um episódio que usa ideologias como desculpa para violentar a dignidade humana“, acrescenta.


James Norton e Agnieszka Holland em Mr. Jones

Especula-se que Agnieszka regresse à Berlinale, na 70ª edição do evento (agendada de 20 de fevereiro a 1 de março) com Charlatan, um drama sobre os abusos da Guerra Fria. “Existe uma dimensão de impunidade nos governos totalitários do passado, assim como nos de agora, que precisa ser revelada e escancarada. Eu regi-me numa Europa que institucionalizou o silêncio como legado de um sonho. É a hora de falar“, disse a cineasta, que saiu de Berlim, em 2017, com o troféu Alfred Bauer (dado a narrativas capazes de desbravar fronteiras da linguagem audiovisual) por Pokot. “O medo encontra na negligência e na omissão dois parceiros fiéis“.


Peter Sarsgaard em Mr. Jones

Nomeada ao Oscar de melhor argumento, em 1992, por Europa, Europa, Agnieszka foi importada pelos EUA, tendo trabalhado também emFrança. Nessa internacionalização do seu talento e de sua estética, ela rodou filmou filmes de culto como Complot contra a liberdade (1988), com Christopher Lambert, o eterno Highlander; (o polémico) Eclipse total, com Leonardo DiCaprio na pele de Rimbaud; e Corrigindo Beethoven (laureado em San Sebastián, em 2006). Filmou ainda séries de TV, como The Wire, Cold Case, The Killing e, mais recentemente, The First, com Sean Penn.

Passei por múltiplas plataformas a estudar a condição humana e a desmistificar ideia de heróis inquebráveis“, disse a realizadora. “O que me interessa em Gareth Jones é que ele foi um herói à moda clássica, mas com fragilidades reais. Cada passo da sua história, no meu filme, mesmo aqueles que soam improváveis, correspondem a situações reais“.

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