Sexta-feira, 29 Março

«Burning» promete incendiar Marraquexe com o fogo de Murakami

Burning

Endossado pela láurea da FIPRESCI, conquistada no Festival de Cannes, como uma esfinge de mil enigmas para deleitar a crítica mundial em exercícios de decifração, o thriller Burning, do sul-coreano Lee Chang-dong vai quebrar a cabeça dos marroquinos neste sábado, através da sua passagem pelo 17º Festival de Marraquexe, em projeção fora de concurso. Na disputa por uma vaga na disputa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2019, a produção que marca a volta do realizador de Poetry (2010) aos ecrãs é baseada no conto Barn Burning, de Haruki Murakami. O seu enredo de mistério mistura literatura, piromania, pecados paternos e uma sequência de nudez rodada com uma delicadeza que esbanja lirismo.

Tenho uma personagem aspirante a escritor que se pergunta o tempo todo que história deve escrever, de uma maneira bem parecida com o tipo de dúvida em que me coloco ao fazer um filme, sobretudo este em que falo de raiva num paralelo com a maneira como romancistas como William Faulkner o fizeram”, contou Chang-dong a Cannes, antes de receber a láurea da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica. “Estamos investigando sentimentos”.

Desejo, inveja e rejeição agitam o coração do jovem estudante de Escrita Criativa Lee Jong-soo (Yoo Ah-In) a partir de um triângulo amoroso no qual se envolve quase por acidente após reencontrar uma antiga vizinha por quem tinha interesses amorosos. Ela arrasta consigo um colega sedutor, um homem rico e misterioso que acaba de chegar da África (Steven Yeun, de The Walking Dead). Mas a estranheza do rapaz mexe com os brios de Jong-soo, cujo pai está em julgamento, sob a acusação de agressão. Há um epicentro geográfico nessa trama que dialoga com a memória política da Coreia do Sul, a região rural de Paju. “É um tipo de cidade do interior que está em erosão no tempo, em desaparição, traduzindo o conflito do moderno e do superado, numa narrativa em que dei aos atores o máximo de liberdade para a criação de ambiguidade”, disse Chang-dong na sua palestra no London Film Festival.

Mas apesar de toda sua potência, Burning é apenas uma das atrações de Marraquexe neste fim de semana, no qual o júri comandado pelo cineasta americano James Gray (Little Odessa), vai conversar com a imprensa sobre suas noções estéticas. Gray lidera uma equipa formada por atrizes populares (Dakota Johnson, Ileana D’Cruz), pela artista visual Joana Hadjithomas, pelos cineastas Lynne Ramsay, Laurent Cantet, Tala Hadid e Michel Franco e pelo ator alemão Daniel Brühl.

Las Niñas Bien

Neste sábado, a produção mexicana Las Niñas Bien, de Alejandra Márquez Abella, centrada no impacto das crises económicas da década de 1980 sobre a saúde financeira da alta classe média daquele país, vai inaugurar a seleção competitiva das longas-metragens. Há 14 títulos na disputa pela Estrela de Ouro, incluindo a coprodução Argentina x Brasil, Rojo. Ainda no sábado será exibido, Joy, drama austríaco sobre prostituição de africanas em solo europeu, dirigido pela cineasta Sudabeh Mortezai. A produção conquistou o prémio principal de longas de ficção no BFI – London Film Festival, em outubro.  

E tem homenagens à vista por aqui. Ocupados neste momento com a finalização do thriller sobre a máfia The Irishman, para a Netflix, Martin Scorsese e Robert De Niro vão passar um fim de semana de nostalgia no Marrocos ao acompanharem uma projeção de gala da versão restaurada do célebre Raging Bull (Touro Enraivecido). A dolorosa saga de vitórias e derrotas do pugilista Jake La Motta vai ser exibida nesta segunda no 17º Festival de Marraquexe, que acolhe De Niro esta noite para uma homenagem especial pelo conjunto da sua carreira como ator. No domingo, é a vez de Scorsese ministrar uma palestra na cidade para falar sobre suas escolhas artistas e sobre sua parceria com o ator, de quem é amigo desde os anos 1970. O evento marroquino foi inaugurado na sexta, 30 de novembro, com a projeção de gala de At Eternity’s Gate, ensaio cinebiográfico sobre Van Gogh, com Willem Dafoe no papel do pintor.

Scorsese e De Niro conferem ainda esta noite, no luxuoso cinema Le Colisée, uma projeção de gala de Goodfellas (Tudo Bons Rapazes, 1990), um dos filmes mais aclamados da trajetória de ambos nos ecrãs. Em Marraquexe, diante da presença deles, comenta-se que o inédito The Irishman possa ser o filme de abertura do Festival de Berlim, no dia 7 de fevereiro, mas não houve confirmações oficiais dos alemães até agora. 

Até seu encerramento, no dia 8, o Festival de Marraquexe vai receber potenciais concorrentes ao Oscar como o badalado Green Book, que devora prémios nos EUA.  

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