Num debate sobre como levar mais público a assistir a filmes nacionais, no 3º Encontro do Cinema Português, que ocorreu no passado dia 6 de junho, em Lisboa, o produtor português Paulo Branco afirmou que não existe uma indústria do cinema no nosso país e que essa só vai existir “no dia em que a NOS, a Mediacapital e a Meo decidam produzir.“
Num encontro onde marcaram ainda presença o presidente do ICA, Luís Chaby Vaz, o programador da NOS Joaquim Bidarra, o argumentista Tiago R. Santos, o realizador Sérgio Graciano, e ex-administrador da RTP, Nuno Artur Silva, Branco afirmou que os produtores independentes como ele “fazem protótipos” e que a “indústria não é com eles”: “No dia em que em Portugal existir uma completa mudança e se perceba, ou se houver interesse dos grupos de telecomunicações, dos operadores e dos grandes grupos em investir e produzir, aí começa a haver uma indústria.“
Falando da sua posição de “construtor” de protótipos, Branco deu o exemplo de um filme clássico: “O Citizen Kane é um protótipo. Foi um desastre quando estreou. Um desastre absoluto. E neste momento é um dos filmes mais vistos da história do Cinema. Casos desses acontecem.“, reconhecendo mais tarde que o que não faltam em Portugal são “Citizen Kanes” [protótipos] por metro quadrado.
Admitindo que no estado em que está o Cinema nacional os produtores independentes continuarão a fazer protótipos e a arranjar maneiras dos filmes serem diferentes e corresponderem de uma certa maneira ao interesse do público, Branco desmistificou a ideia de existirem realizadores que não pensam no público: “Não há nenhum realizador que não queira encontrar o público, por mais que ele diga [que não] (…) Eu sei, porque trabalhei com o [Manoel] Oliveira e João César Monteiro, que são realizadores considerados que se estavam nas tintas para o público. Isso é completamente falso. E quando os filmes estreavam no estrangeiro ou em Portugal, eles estavam mais preocupados do que eu nos resultados que faziam. “
“Não há regras para os protótipos”
Falando sobre esses protótipos, Paulo Branco admite que não existem regras para a sua construção e que dois ou três dos filmes de maior sucesso com que trabalhou foram filmes com apenas algumas páginas ou mesmo sem argumento: “O Estado das Coisas do Wim Wenders, A Cidade Branca do Alain Tanner, eram cinco páginas, ou mesmo o dos Madredeus, o Lisbon Story (Viagem a Lisboa). Nesse então não havia nada. Só os Madredeus. E a partir daí construiu-se uma história. Por outro lado, há filmes que necessitam de um trabalho de argumento muito importante. Por exemplo, Os Mistérios de Lisboa. Se o filme é o que é é graças ao argumento do Carlos Saboga e o que ele conseguiu fazer daquela loucura dos Mistérios de Lisboa do Camilo Castelo Branco. Ou seja, não há regras. Eu encaro a minha profissão nisso. Tentar, com os meios que tenho, com o dinheiro, maximizar, trabalhar com o realizador, exigir de um argumentista quando é necessário, ou partir para um projeto em que eu sinta que há uma base que pode ser interessante. Às vezes falhamos, outras vezes não. (…) Nós temos o que temos. Nós neste momento, para produzir em Portugal, temos tanto como eu tive para produzir o Cosmopolis. 15 milhões de euros para produzir todo o cinema português.Temos de perceber que não se fazem omeletes sem ovos“
“O Cinema é Cinema, não há comercial e não comercial”
“Quando faz-se um filme, faz-se um filme. Ele é julgado pela crítica, é julgado pelos espectadores, é julgado pelo mercado, é julgado por todos. Acabemos com isso. Não há cinema comercial ou não. (…) Eu numa altura vendi um filme do Manoel de Oliveira por um milhão de euros ao Canal +. Isso é cinema comercial! Algum filme português alguma vez deu retorno de um milhão de euros na exibição em Portugal? Não deu. Cinema comercial é aquele em que o produtor pode tirar proveito disso ou não. Por isso, há muitos parâmetros. O cinema é cinema. O Citizen Kane, já disse, quando saiu, fez 4 mil ou 10 mil espectadores. A Regra do Jogo fez 4 mil espectadores e ia condenando o Jean Renoir a nunca mais filmar. Quantos milhões fez depois disso? E foi considerado um filme experimental na altura. Como o Acossado do Jean-Luc Godard, que foi considerado mais que um filme experimental na época. E vejam o que é que se passa agora. Acabem com essa história do cinema comercial ou não. Qualquer filme é julgado pela crítica, pelo tempo e pelas coisas. O resto é conversa…“