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“Se adicionares uma cena de violação, nós colocamos o dinheiro”: as queixas da realizadora de “Rafiki” em Cannes

Rafiki, o primeiro filme da história do cinema do Quénia a fazer parte da Seleção Oficial de Cannes, começou a ser falado muito antes da sua exibição no Festival de Cannes. A razão? Foi banido no seu próprio país devido a uma antiga lei dos tempos coloniais em que as relações homossexuais são puníveis com até 14 anos de prisão. A “cultura e as leis [quenianas] reconhecem a família como a unidade básica da sociedade.” Desta forma, o Conselho do Cinema local não poderia permitir que as crianças quenianas tenham acesso a conteúdo lésbico“, disse a porta voz do organismo que rege as estreias no país, justificando assim a recusa.

A própria Wanuri Kahiu, a realizadora, não tem interesse nessa estreia. Aliás, ela mesmo deseja que o filme nunca seja exibido no país, embora se assuma como uma firme defensora da liberdade de expressão. Não se considerando uma ativista, e pensando nos dois filhos que tem, a exibição do filme no território, seja de que forma for, transforma-a num alvo de potenciais sansões, com a prisão à cabeça. 

Seja como for, com críticas positivas ou negativas, esta história de amor entre duas mulheres já conquistou o certame, nem que seja pelo autêntico calvário que foi conseguir reunir o financiamento para a sua execução. Primeiro, explicou a cineasta ao C7nema, porque “muitos dos fundos para o cinema africano têm por trás uma agenda politica” e ela não procurou apoio no seu próprio país “de forma a evitar constrangimentos e ofensas ao governo“.

Depois, e ainda em África, “nenhum país quis entrar na produção“, citando o exemplo da África do Sul, que desejava uma maior presença de elementos locais. Saindo de África, foram feitos novos contactos, mas aí entraram em cena questões profundamente capitalistas, ligadas ao entretenimento, mas acima de tudo moralmente condenáveis. “Muitos disseram ‘se adicionares uma cena de violação’, nós colocamos o dinheiro“, explicou Kahiu ao c7nema, visivelmente consternada com a proposta.

Já sobre a razão porque quis contar esta história, a cineasta explica que “queria fazer uma historia sobre esperança” e que localmente “não existe um historial em contar este tipo de historias“. “É importante contar romances africanos“, sublinha, acrescentando: “vemos todos o amor, vemos Hollywood a apaixonar-se, vemos europeus apaixonar-se e até indianos apaixonam-se com todo aquele cenário Bollywood”. Mas “se existe um beijo no cinema Africano é para dizer a seguir que ‘tens HIV’“.