Terça-feira, 19 Março

Cannes: uma Competição à beira de um ataque de nervos

Estamos prestes a dar por encerrado mais uma Competição do Festival de Cannes, e a nossa viagem tem sido marcada por confirmações e claras desilusões.

Comecemos com Sergei Loznitsa, o bielorrusso que manifesta-se cada vez mais contra a Pátria-Mãe, a Rússia, e o resultado disso é A Gentle Creature, uma propaganda que deturpa a tendência da heroína para a transformar numa eterna vítima de um sistema corrupto e faccioso. Sim, temos aqui uma evidente propaganda anti-Putin, que invoca as memórias da União Soviética. Loznitsa sempre fora um homem contra um Gigante, e o seu cinema tem se conduzido por uma propositada visão política. A Gentle Creature é a perfeita noção disso, contudo, as ideologias conseguem uma certa harmonia com as questões técnicas trazidas pelo realizador, pelo décor que nos envolve e pelo “failsafe” que nos, literalmente, cospe na cara.

Continuado com a concorrência, os irmãos Safdie sao engenhosos a invocar o seu próprio cinema, neste caso a representar sentimentos vividos pela sua fraternidade e construir o seu filme mais estético de sempre. Good Time é a jornada de um homem na tentativa de salvar o seu irmão, e uma declaração de afeto que se fala no coletivo, e não no individualismo. Inserido no estilo de ‘uma desgraça nunca vem só’ de um After Hours, de Scorsese, este poderá uma das grandes apostas para a categoria de interpretação masculina. Sim, isso mesmo, Robert Pattinson tem grandes chances para tal.

Agora é a vez das desilusões, e como é grande ‘acidente’ o novo filme de François Ozon. L’Amant Double tinha tudo ao seu dispor, uma atmosfera sexual e transgressiva, uma estética plastificada que nos envolvia e um enredo que evoluía gradualmente para território de Cronenberg. Sim, tínhamos isso, mas ficou-se pelo meio. A disputa amorosa entre gémeos, e os desejos sexuais de Marine Vacth (a repetir o seu papel em Jovem e Bela) resultam num incoerente thriller com a fantasia de ser um simples filme de estúdio.

Por fim, o regresso de Fatih Akin é igualmente dececionante. In the Fade é uma obra que vagueia pelo medo do terrorismo e pela difusão do populismo e supremacia branca. Infelizmente, tudo escoa para um dramalhão pesado com Diane Krugger a fazer o melhor que pode num enredo esquizofrénico. Pelo meio, um filme de pesar egoísta transforma-se numa drama jurídico, que por sua vez se desperta para uma trama de vingança com demasiadas emoções refens. Falta primitivismo, falta reflexão dos chamados códigos maniqueístas impostos pela dita vaga populista e, sobretudo, falta uma agressiva linguagem de cinema.

Será alguns destes o possível vencedor da cobiçada Palma de Ouro? Veremos os próximos episódios.

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