Sexta-feira, 29 Março

Cannes: autores conformistas … e autores

A diferença entre um conformista e um reinventor pode ser encontrada neste Festival. Enquanto que Michael Haneke consegue com Happy End [ler crítica] abordar o seu universo cinematográfico e explorá-lo para novas temáticas, sempre com fidelidade ao seu cinema e espírito, Hong Sang-Soo, o coreano preferido de muitos, padece dessa aposta de inovação. Bem verdade que o Sang-Soo, muitas vezes comparado com Woody Allen (tendo mais de Rohmer que do conhecido realizador nova-iorquino), é um experimentalista narrativamente. As suas histórias usufruem de um olhar out-of-the-box em relação às lineares estruturas do storytelling, mas falha pelos alicerces que sustentam essa mesma. Ou seja, a sua técnica é desleixada, e isso tem-se verificado nestes últimos anos. E é com esse tempo descartado que Sang-Soo demonstra um rigor mortis nesse mesma despreocupação.

Ao contrário de Sang-Soo, que aparece em Cannes com duas obras dentro (The Day After [ler crítica]) e fora competição (Claire’s Camera)), temos Haneke, um nome muito mais que bem-vindo na Riviera francesa. Com duas Palmas de Ouro (O Laço Branco, Amour), o austríaco aventura-se numa terceira com uma rica retrospectiva da sua filmografia, mas ao invés de se conformar a um estilo único, Haneke indicia vários estilos num só filme, e todos referentes a uma obra da sua vida. É fácil identificar Caché, Amour, O Laço Branco e até mesmo Funny Games em toda esta corrente. É um conto de violência não incentivada, mas já penetrada. Uma história de burgueses de fazer lembrar as abordagens quase absurdistas e satíricas de Luís Buñuel (O Charme Discreto da Burguesia, Belle du Jour), que nos faz olhar para os nossos próprios “refúgios” sociais. Vendido como um filme sobre refugiados, Happy End (não existe tal coisa que é um final feliz), é uma obra sobre um outro tipo de refugiados, não a mera história poverty porn, mas sim o cinema de caráter subversivo e de evidências cinicas a sua propria matéria.

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