Terça-feira, 23 Abril

Berlinale: O adeus violento e irrepetível de «Logan»

O último dia para apresentação de filmes de secção competitiva desta edição da Berlinale foi o mais inesperado. Começou de forma original com Have a Nice Day de Liu Jian, filme de animação chinês que mais parece um storyboard colorido de uma película de Tarantino, com um abundante número de referências cinematográficas, uma banda sonora pop e uma intriga que, tal como Pulp Fiction, prossegue uma série de personagens em busca de uma mala que incita a situações violentas mais ou menos caricatas. O mais impressionante é a forma suja como Jian apresenta a cidade, noturna e chuvosa, quase como se dum futuro distópico se tratasse, apesar de a ação decorrer nos tempos correntes, conforme se pode asseverar pelo uso de discursos de Trump na banda sonora diegética. Uma muito agradável surpresa que tornou esta seleção mais heterogénea.

Seguiu-se o regresso do já laureado Cãlin Peter Netzer neste Festival (Mãe e Filho), Ana, Mon Amour, sobre uma rapariga que sofre ataques de pânico e o rapaz que se apaixona por ela. Netzer continua a realizar daquela forma agitada e tensa, com várias câmaras a filmarem simultaneamente uma cena, mas pouca informação visual a ser fornecida. Mas enquanto Mãe e Filho era um tour de force permanente, Ana… é um puzzle psicológico complexo, oscilando entre várias sequências cronológicas distintas, desde o momento em que o casal se apaixona na faculdade até à deterioração do respetivo casamento muitos anos depois, tudo construído em torno das sessões psicanalíticas do protagonista masculino. É a série de enredos secundários e transformações de atores que acompanhamos que transformam este filme, talvez, o mais labiríntico de toda a seleção.


Ana, Mon Amour

E foi então que, como um estrondo, as garras de Logan atingiram-nos como nunca. A última incursão de Hugh Jackman na personagem que o celebrizou é um objeto singelo no historial da Marvel, lidando com temas como a relação entre os EUA e o México, a engenharia genética, a paternalidade e a morte. Ora, “surpreendente” era um adjetivo que esperávamos utilizar nesta edição da Berlinale, mas nunca havíamos pensado que seria com este filme.

Passaram-se anos desde o segundo tomo desta trilogia e Logan está envelhecido e depressivo. Dos mutantes com quem fraternizou ao longo dos anos, já só resta, praticamente, o Professor Xavier, que agora padece de uma doença neuro degenerativa. Até encontrar uma rapariga que possui os mesmos poderes de regeneração e capacidades animalescas que ele.

Esqueça-se tudo o que a Marvel/Fox fez até agora (principalmente cada capítulo da saga X-Men). James Mangold e Jackman continuam o trilho de violência que o Deadpool havia aberto e levam-na a um nível ainda mais gráfico e sério. A classificação que recebeu é de um R pesadíssimo e que torna o filme definitivamente não aconselhável para crianças. E é isso, associado à maturidade com que fala dos temas a que se propõe, que impressiona, misturando found footage com terror e o western com super-heróis, tudo no mesmo filme. Que um estúdio responsável pelo mero escapismo do cinema pipoca, previsível e patriótico, tenha dado um passo enorme em frente para fazer algo radicalmente diferente dos seus pares, sem se importar de como a legião de fãs poderia reagir, faz desta obra o trabalho mais corajoso de uma personagem do Universo Marvel até agora. E se se estão a perguntar se é mesmo “o fim” da personagem, sim, é, e não há nenhuma cena pós-créditos que o venha desmentir.


Logan | © 2017 Twentieth Century Fox

Encontrámo-nos com o realizador, Jackman, Stewart e os produtores na conferência de imprensa, onde a violência foi o tema predominante. Jackman começa a abrir com “Decidimos que não seria um filme divertido nem definido pelos anteriores. Queríamos apenas fazer um bom filme. Ultrapassou as minhas expetativas. Fará sempre parte de quem sou, mas acabou definitivamente“. Quanto a Patrick Stewart, recebeu um forte aplauso por ter iniciado o seu discurso a pedir desculpas pelo Brexit “Sinto-me envergonhado por estar aqui, mas quero que saibam que mais de metade da população votou para ficarmos. Foi feita uma calamidade e por isso pedimos desculpa.” O tema da violência acaba por vir ao de cima e Mangold cita Imperdoável de Clint Eastwood e outros westerns como influências, ao invés de bandas-desenhadas: “Fiz o filme como quis. O estúdio podia ficar assustado por estarmos a fazer algo fora do normal, mas eles apoiaram-nos. Deixaram-nos experimentar e para isso é preciso ter tomates. Agradeço-lhes profundamente“.


Patrick Stewart, James Mangold, Hugh Jackman

A melhor resposta foi dada a um jornalista africano e pai de família, cuja pergunta pela obrigação moral dos estúdios no tratamento da violência e se os jovens não ficarão traumatizados quando virem o filme na televisão, causaram alguma polémica na conferência. Mangold respondeu: “Há programas na TV mais violentos e explícitos que os jovens veem. O trabalho de saber o que o seu filho vê não é meu, é seu. O meu é apenas o de fazer filmes. Quando mostramos violência, temos de saber mostrar as consequências. Que a vida acaba, o que hoje é muito ignorado no cinema. É isso que o meu filme faz.”, uma resposta muito aplaudida.

E assim terminou mais uma edição da Berlinale. A cerimónia de entrega de prémios começará amanhã por volta das 6 da tarde (hora de Portugal).

Notícias