“Uhuu” grita Emily (Zoe Kazan) após Kumail (Kumail Nanjiani) ter questionado se estava alguém do Paquistão na plateia. Este episódio ocorre durante um espetáculo de stand-up comedy e permite não só interromper o número do segundo, um comediante e motorista da Uber, mas também dar o ponto de partida para a relação terna e peculiar destes dois personagens. O romance é desenvolvido com sensibilidade, doses assinaláveis de humor e beneficia imenso da química entre Nanjiani e Kazan, uma dupla que tem o dom de nos convencer de que existe algo forte a brotar entre estes dois jovens. Ambos transmitem afabilidade, contam com inseguranças e ambicionam algo mais da vida, enquanto partilham uma certa dose de imaturidade e uma enorme capacidade para despertar a nossa simpatia.
A intercalar estes momentos entre o casal encontram-se os espetáculos de stand-up e os episódios nos bastidores do clube onde o protagonista trabalha, mas também as reuniões de Kumail com a família. Estes são oriundos do Paquistão, tal como o personagem principal, ou seja, onde os casamentos são arranjados, com “The Big Sick” a abordar esta temática e os choques culturais, sempre sem apresentar uma postura pejorativa do “outro lado”. É certo que o filme usa e abusa das repetições de encontros do comediante com potenciais noivas, algo que começa por ser um gag bem arquitetado, até se gastar e tornar-se apenas redundante. No entanto, estes encontros também permitem expor as dinâmicas muito peculiares desta família e colocar em evidência que Kumail vai ter de tomar uma decisão difícil, seja esta contrariar a tradição ou terminar o namoro.
A relação entre Kumail e Emily é interrompida por uma discussão e uma doença grave que ameaça tirar a vida à segunda. A partir do internamento e do momento em que esta é colocada em coma induzido, assistimos à entrada em cena de Beth (Holly Hunter) e Terry (Ray Romano), os seus pais, duas figuras que formam gradualmente uma relação de amizade e respeito com o comediante, com quem passam longas horas no hospital, partilham experiências, memórias e um enorme amor por Emily. A descrição parece longa, mas “The Big Sick” é um filme que se apresta a isso, ou não tivesse como pontos fortes o seu enredo, o seu argumento, as dinâmicas entre os seus personagens, a relevância de algumas das suas temáticas, a sinceridade dos seus diálogos e o humor.
O humor faz parte do filme, bem como a abordagem de temáticas sérias, sejam estas relacionadas com a forma como a vida privada influencia a vida profissional, as dificuldades inerentes à stand-up comedy, o choque de culturas e gerações, as relações matrimoniais, a intolerância e a xenofobia, entre outras. A intolerância é exposta de forma paradigmática quando encontramos um indivíduo a interromper um espetáculo e a gritar para Kumail voltar para o ISIS, uma atitude que desperta a fúria de Beth. Hunter imprime uma faceta explosiva, intensa e extremamente humana a Beth, uma mulher com os sentimentos à flor da pele, com a intérprete a contar com um papel digno de atenção. Também Romano consegue sobressair, com o seu Terry a exibir uma certa amabilidade e uma capacidade enorme para protagonizar situações constrangedoras.
Romano e Hunter têm espaço de sobra para comporem personagens dotados de massa humana, tal como Anupam Kher, Zenobia Shroff, Adeel Akhtar como os pais e o irmão de Kumail, com “The Big Sick” a conseguir que respeitemos quase todas figuras que povoam o enredo, seja quando estão em longas discussões ou em momentos dotados de afecto. O maior destaque é Nanjiani, ou a história do filme não tivesse sido inspirada no seu romance com Emily V. Gordon, com quem partilha a escrita do argumento. Essa situação talvez ajude a explicar a sinceridade transmitida pelo filme, algo que é adensado pelo estilo simples e eficaz do realizador Michael Showalter, com o cineasta a exacerbar a substância em detrimento do estilo e a conceder espaço aos seus intérpretes.
Nanjiani domina os timings humorísticos, exibe uma fragilidade desarmante, expõe os erros do protagonista com uma sinceridade notória e as particularidades da cultura paquistanesa com uma mescla de leveza e respeito ao mesmo tempo que transmite o amor que o seu personagem sente por Emily e a afeição que tem pelos pais. Kazan acompanha-o com acerto e cria uma personagem dotada de simplicidade e personalidade. Ambos conquistam-se e conquistam-nos ao longo desta comédia romântica dotada de doçura, emoção, sensibilidade, humor, algum drama e um enorme coração.
Aníbal Santiago