Sexta-feira, 26 Abril

O preto e branco esculpido de Alfonso Cuarón conquista o Oscar®

Com o seu habitual colaborador Emmanuel Lubezki ocupado, Alfonso Cuáron trabalhou ele mesmo a fotografia do seu Roma, uma viagem às memórias do cineasta que sempre quis manter-se longe da nostalgia sonhadora nas imagens que pintou.

Nesse jogo de memórias, referências e melancolia, numas ruas do México onde até se pode dizer que Cuarón chega a filmar com um olhar “Scorseseano” e brinca com correrias à Godard, a cinematografia e a direção artística são imaculadamente obras primas per se, com o preto e branco a transparecer o seu fascínio habitual pela luz natural e pela aplicação de mais ou menos contraste e saturação em cada frame, carregando o filme permanentemente de uma sensação de infortúnio, mas simultaneamente de conforto familiar num país em reboliço.

Há ainda o belíssimo sentido do cineasta em navegar entre close-ups, de detalhe e planos gerais, nunca escapando a preciosismos pessoais e históricos (o homem canhão num comício remete ao populismo e ao espetáculo como resposta à pobreza), jogando o mesmo muitas vezes com duplas ações no mesmo plano (o parto, em grande destaque) que acrescentam densidade, profundidade e sentido trágico.

Filmando a cores com uma Alexa 65, uma sugestão dada por Lubezki, e depois trabalhando no preto e branco como um pintor, Cuarón nunca pretendeu transpor a sensação de película, preferindo adotar o digital. “Eu não queria tentar esconder o digital num visual ‘cinematográfico’, mas sim explorar um visual digital e abraçar o presente“, disse Cuarón ao American Cinematographer.

Colaborando com a Technicolor no acabamento a preto e branco, Cuarón isolou as frames e manipulou os valores de cores e tons para obter a aparência monocromática desejada. “Ele queria ter um controle incrível sobre cada detalhe minucioso”, disse Steve Scott, supervisor de acabamento técnico da Technicolor, à IndieWire.

Para alcançar o tom monocromático desejado, o uso de cores foi limitado nos sets para obrigar o elenco e equipa a viverem num mundo preto e branco, estando neste processo envolvida a direção de arte e o guarda-roupa, para que não existissem conflitos. Outro elemento importante, e apesar de Cuarón preferir sempre usar muita luz natural, neste caso foi necessário recorrer a luz artificial para conseguir com precisão o que se pretendia: “às vezes, tínhamos que complementar a luz, e a única maneira de fazer isso era nas filmagens. Mais tarde apagamos essas marcas com os efeitos visuais“.

Exemplo disso foi a sequência do fogo florestal. Cuarón queria que a cena fosse iluminada pelo fogo e as árvores em chamas no primeiro plano da cena eram reais, mas o supervisor de efeitos especiais do filme, Alejandro Vázquez, iluminou ainda mais a cena com chamas controladas por gás.

Outro exemplo do trabalho meticuloso da fotografia foi a sequência inicial de quatro minutos no pátio em que Cleo limpa o chão. “A ideia era que o filme começasse a olhar para o chão que é a terra, onde a água começa a fluir, limpando, mas ficando mais turva e escura, com toda essa espuma (…) Mas também havia o sentido de limpeza das coisas. E somente através do reflexo da água você via o avião no céu.“, explicou o mexicano.

 

Nos discurso de agradecimento à Academia, Cuarón disse: “Se este filme foi criado pelas minhas próprias memórias, o filme foi criado através das memórias do que este grande mestre da cinematografia nos deu. É bem conhecido que no escritório de Billy Wilder havia uma placa que dizia: “O que Lubitsch faria?” E para mim, era o que o “Chivo Lubezki faria?” Então, este prémio é também para você, Chivo. Muito obrigado, México. À minha família e ao Jonás, Bu e Olmo. Amo-vos“.

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