Quinta-feira, 28 Março

Sophia, um prémio bem português

 

O ambiente era de festa, isso ninguém nega, a celebração do nascimento da Academia Portuguesa de Cinema, uma instituição que pode rivalizar com as diferentes Academias do resto do Mundo, é um passo em frente para o cinema português. Contudo, como em qualquer outra festa, existe sempre o espírito da indignação face ao cinismo festivo que se emana, sendo que as razões para tal até são validas face aos tempos que decorrem e que de certa forma afectam a preservação do cinema português como um património cultural (mais do que um produto de venda e compra).

As polémicas em torno da nova Lei do Cinema, que nos reflete o estado degradante e pouco ativo do nosso país, as faltas de verbas e até mesmo o academismo da recém-formada Academia foram os motivos para muitos dos vencedores das mais variadas categorias se manifestarem. Muitos foram aqueles que não receberam os seus prémios pessoalmente, apenas entregues por via de intermediários e de seguida lidas as suas mensagens de pura revolta, pessimismo ou repreensão. Tal cenário foi tão repetitivo que até mesmo a imagem de glamour e festividade que a Academia tentava a todo custo manter era gradualmente dilacerado. Miguel Gomes, João Salaviza e João Canijo foram alguns dos nomes, figuras incontornáveis do nosso panorama cinematográfico, que contribuíram para tal combinação de “facadas” à estética defensiva da Academia, enquanto os seus trabalhos eram premiados com os tão nossos Sophias.

Por fim, João Botelho num discurso em homenagem a Manoel de Oliveira, durante a entrega do Prémio de Mérito e Excelência, tomou uma posição directa, revolucionária e “sem papas na língua“, ao mesmo tempo que denunciava o desleixo da lei perante a vivência do cinema, acusava a Academia de ser demasiado académica face às suas escolhas cinematográficas.

Ninguém na sala estava indiferente ao cenário que se deparava, até mesmo o apresentador, José Pedro Vasconcelos que tentava a todo o custo invocar uma satirização digna dos seus colegas norte-americanos, caia por vezes no embaraço quando cedia às constantes subvalorizações da nossa gala em comparações com as outras Academias. Se por um lado tal posição ia contra a “capa cínica” que pairava, por outro “rebaixava” um produto tão nosso, como também os envolvidos na construção da cultura cinematográfica portuguesa que se encontravam presentes.

Todavia, a maior das “subvalorizações” foi mesmo a sua suposta emissão televisiva. Aqui farei com abertura certas comparações. Enquanto em outros países, como França e Espanha (não é preciso exemplificar os Óscares), os prémios das academias são religiosamente galas televisivas, seguidas em direto para todo o país, em Portugal os Sophia foram gravados, arquivados e colocados num lista de espera para uma data indeterminada sugerida pela RTP. Foi um sinal de “serviço público” da televisão generalista, que tanto aposta em conteúdos fúteis e decadentes sem incentivar o público a “alargar” os horizontes.

Enfim, no geral e apesar dos impasses, os Sophia foram uma ótima prova das tentativas de mudança que se tentam incutir no cinema português, uma pequena brisa que vai contra as aclamações dos puristas ou de todos aqueles que reduzem o nosso cinema a estereótipos.

No fim de tudo isto, Tabu de Miguel Gomes recebeu a merecida distinção, um dos poucos filmes portugueses irreverentes, tecnicamente profissional mas criativo (um autêntico anti-academismo), um olhar entre o vintage e o moderno que se resume num legado que Portugal não está disposto a esquecer. Há quem (sem ter visto o filme em questão) e perante o Sophia triunfado, subvalorize a obra de Gomes, julgando que o cinema nacional é um “embrião” de Hollywood ou de ensaios novelescos e formatados. Para todos esses, o cinema é mais que pipocas. É uma criação!

Um país só tem futuro se tiver memóriaPaulo Trancoso

 

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