Quinta-feira, 2 Maio

IFF Gotemburgo: «Epilogue» por Jorge Pereira

Num ano em que o «Amor» de Michael Haneke ocupou as conversas no que toca a cinema que estuda as relações entre idosos, e de certa maneira os epílogos das suas vidas, houve um filme que passou ao lado (injustamente) das menções e listas dos melhores de 2012. «Epilogue», do israelita Amir Manor, também fala do amor, mas acima de tudo do desencanto.
 
Berl (Yosef Carmon) e Hayuta (Rivka Gur) são dois octogenários que vivem numa sociedade israelita irreconhecível. Essa é pelo menos a visão de Berl, um idealista politico que ajudou nos anos 40 o estado de Israel a ser criado e que olha para os tempos que correm, e naquilo que o país se tornou, com o coração partido e um olhar de desolador sufocante. Essa decepção está explicita logo nos primeiros momentos da obra, quando o casal é visitado por uma espécie de assistente social burocrata que os obriga a executar uma série de exercícios para se inteirar da sua condição: física e psicológica.
 
Essa sensação de deslocados do sítio que ajudaram a criar acentua-se à medida que cada um deles vai fazendo as suas tarefas quotidianas, sendo particularmente doloroso a clara sensação de marginalização que esta geração vive e as dificuldades que têm em sobreviver com os escassos rendimentos que agora lhes são atribuídos após décadas de trabalho. E se Amir até enraiza a questão desta verdadeira morte lenta ao estado social por parte da nova geração política, contrapondo isso com um certo idealismo romântico que reinava na fundação do país, a história desta fita e a desilusão transmitida por ela aplica-se hoje em dia de forma universal. Basta pegar no caso europeu, ou mesmo no português, onde sistematicamente se cortam fundos a pensões, deixando grande parte dos reformados sufocados monetariamente e longe de viverem com a dignidade que mereciam. E que não se pense que o dinheiro é, de todo, a única questão em jogo em «Epilogue». Acima disso está a morte lenta dos idealismos e uma análise contemporânea baseada em muitos números, estatísticas e valores monetários (em vez dos morais e éticos). A tudo isto soma-se o desprezo generalizado que a sociedade agora dá à geração mais velha, rebaixando-os a pessoas senis, pesos mortos dos tempos modernos e entraves à evolução e ao desenvolvimento do país…«Somos irrelevantes», diz Berl a certo ponto.
 
Com interpretações poderosas de Yosef Carmon e Yosef Carmon e uma realização extremamente balanceada e nada sensacionalista ou manipuladora de Amir Manour, «Epilogue» é uma verdadeira conclusão para a história de duas pessoas desapontadas com os tempos modernos, mas não nas suas ideias…
O Melhor: A contemporaneidade e universalidade de um projeto bem enraizado no estado de Israel
O Pior: Nada a apontar
 
 
 Jorge Pereira
 

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