Em Right Now, Wrong Then existe uma sequência em que o protagonista, Ham Chun-su (Jae-Young Jung), refere as chamadas quebras de rotina como uma essência viável para o percurso do artista. Mais tarde, revela que a ousadia é também um aditivo para esse mesmo estatuto, um estatuto que o cineasta coreano Hong Sang Soo deseja redefinir, mas que se perde no seu conformismo. Curiosamente, estes diálogos impostos pela sua personagem alusiva (visto o protagonista ser também um realizador de cinema a relembrar as suas fragilidades emocionais e matrimoniais) poderiam tão bem soar como auto-conselhos para a sua celebrada carreira, cada vez mais ascendente. Prova disso é o Leopardo de Ouro recebido na última edição do Festival de Locarno.

O filme, artisticamente falando, é tudo aquilo que esperávamos de Sang Soo, ou seja, mais do mesmo, sendo que neste caso a “pintura” denuncia uma certa renúncia dos seus tiques autorais. Provavelmente esta sua posição poderá ser encarada como um cansaço estilístico ou uma vontade em debater os trilhos percorridos até à sua consagração como cineasta. A “maldita” câmara sem objetividade, arquitetada por close-ups desleixados e de variados planos desenquadrados, é em múltiplas vezes deixada para segundo plano, revelando um interesse particular na própria história de Right Now, Wrong Then, que se assume de certa forma numa invocação de memórias intimistas e de desabafos emocionais. Hong Sang Soo instala-se em mais uma enésima revisão das gestações de relações afetivas, proclamando-as num mundo onírico de possibilidades, onde os gestos chegam a adquirir uma relevância descartável perante um destino escrito a tinta permanente.

Como cúmplice nesta demanda ao arrependimento e às essências gastas, mas recordadas do autor, temos o ator Jae-Young Jung a compor uma das personagens mais interessantes (se não a mais) deste seu universo, que chega a preencher a intriga com uma humanidade longe da habitual caricatura. Um fator benéfico para aquela que é uma das melhores obras do realizador. Nota-se sobretudo uma evolução em aproximar a obra ao espectador, sem que isso indique qualquer cedência ao mainstream.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
right-now-wrong-then-por-hugo-gomesEsperemos que o sul-coreano perca as suas manias de aprovação às elites saudosistas