Não existe um motivo aparente para Mariano (Rafael Federman) dançar na discoteca, chegar em casa numa manhã ensolarada, nadar, cortar a relva e, depois de encontrar fortuitamente um revólver, mirar contra ele próprio e fazer os “dois disparos” do título – que terminam por não ter consequências fatais. A explicação que ele dará depois é que “não tem depressão, apenas estava muito calor“.
Na mesma linha, longe de ocorrer uma reação emocional ao seu ato, após voltar do hospital ele segue a sua vida como se nada fosse, enquanto a mãe (Susana Pumpin) acusa o golpe apenas através de insónia e de uma paranoia por utensílios domésticos como facas de cozinha. O irmão mais velho (Benjamin Coelho), por sua vez, entra em cena apenas para demonstrar um interesse que-também-não-é-tão-grande-assim por uma empregada de balcão (Camila Fabri) e assim por diante – havendo espaço ainda para uma panóplia de figuras que existe para ser refém de uma existência a esmo.
O realizador Martín Rejtman cria um estranho filme-mosaico, onde uma galeria de personagens solitários, incomunicáveis, sem afeto, sem sexualidade e prisioneira do dia-a-dia movimenta-se numa espécie de “realidade paralela” a dos (poucos) acontecimentos registados.
Para sublinhar esse vazio existencial ele aposta na repetição intermitente e ritual de práticas quotidianas (os personagens à mesa ou o grupo de flauta de Mariano), numa estética centrada em planos fixos (há dois ou três movimentos de câmara em todo o filme), na desdramatização do que quer que seja que poderia ser emocional e na falta de maiores explicações por trás de diálogos invariavelmente repletos de banalidade. Ocorre que com a uniformidade apática dos seus protagonistas, Rejtman arrisca-se demasiado a ter a enorme quantidade da coisa nenhuma que retrata confundida com o próprio resultado da proposta.
O melhor: a singularidade da proposta, mesmo assim
O pior: quando o vazio e o tédio dos personagens ameaçam tomar conta do próprio filme
Roni Nunes
