O Pós-guerra alemão foi preenchido de um mal-estar com o qual a nova geração, que não tinha vivido durante o Nacional Socialismo, não conseguia lidar. Ao extremismo da guerra foi contraposto, não só a rebelião estudantil (como em toda a Europa), mas também um extremismo novo. Dentro do espírito do interrogar estruturas arcaicas e envelhecidas, esse mal-estar, uma imprensa rígida e uma resposta violenta aos protestos (quer por parte da polícia, quer por parte de movimentos anti-comunistas), acabou por militarizar a resposta dessa nova geração. A Rote Armee Fraktion (RAF), também conhecida como grupo Baader-Meinhof, pelos nomes dos seus líderes, foram uma dessas respostas violentas a uma sociedade à qual não conseguiam nem reconhecer a autoridade das estruturas, nem pertencer. Essa violência começou pelas palavras dos textos publicados em jornais alternativos, mas também pelo cinema.

Se agora temos dificuldade em reconhecer ao cinema essa faceta de intervenção e até de dever sócio-político, nessa altura muitas eram as obras que o procuravam de forma consciente. Com o cinismo do relativismo pós-moderno e a anunciada morte das ideologias, esta posição foi-se tornando estranha e até vagamente ingénua ou ridícula. Jean-Gabriel Périot, realizador francês, recusa este desinvestimento e procura explorar, a partir da história da RAF, este potencial político do cinema. Para além deste, há mais dois filmes do realizador no Indie (incluindo o disponível online “Les Barbares” ) onde se pode ver essa vontade.

Recorrendo somente a imagens de arquivo da época, Périot tenta ao máximo contar a história deste grupo, das suas origens até ao seu final. Há, no entanto, um perigo ao chamar a este filme um documentário: não parece haver aqui uma verdadeira vontade de documentar historicamente o grupo, já que há tantos buracos nos acontecimentos, alguma brandura na forma como se evita a intencionalidade da violência que usavam e mais simpatia na forma como são apresentados (o seu discurso é sempre coerente e calmo, por oposição ao discurso inflamado dos políticos). Mais do que um documentário, este filme é um manifesto. Um manifesto para tentar recuperar essa faceta política do cinema que, longe de ter deixado de existir, passou a inconsciente, sendo portanto incapaz de por em questão o sistema em que é feito. Sim, poderá haver aqui ou ali algumas excepções, especialmente vindas de países mais na periferia, mas mesmo países como o Irão ou a China fazem filmes confortáveis que acabam por não questionar o sistema dentro do qual pretendem sobreviver, criando a aura de um cinema político, polvilhado de regionalismos e de ideias ocidentais do país de onde vêm, sem nunca por em questão conceitos como o consumo, o progresso, a exploração, etc.

Se há algo para apontar a Périot é que, usando os Baader-Meinhof para esse fim, acaba por escolher um movimento cuja violência implacável acabou por provocar uma reação igualmente violenta não só do aparato judício-policial, mas também das pessoas a quem queriam chegar. Se poderá parecer que, no fim do filme, o realizador põe em questão essa violência via Fassbinder, há que reparar que, na realidade, o apelo ao Estado de Direito é feito para por em causa a resposta do Estado contra o grupo, acabando por não conseguir questionar as escolhas da RAF. Um movimento político do cinema é, mais do que necessário, essencial, mas associado a um qualquer extremismo não funcionará. Lembra o aforismo de Nietzsche, que já tanto foi abusado, mas que ainda faz sentido, em que se adverte o cuidado a quem luta contra monstros para não se tornar num. Queremos um movimento, não um monstro. A pergunta a colocar será sempre: quanta violência é necessária para mudar o sistema?

Pontuação Geral
João Miranda
Jorge Pereira
une-jeunesse-allemande-por-joao-mirandaA pergunta a colocar será sempre: quanta violência é necessária para mudar o sistema?