Sábado, 20 Abril

«Sivas» por João Miranda

O imaginário infantil já foi muitas vezes apresentado no cinema, normalmente de uma forma ingénua, fantástica e, por vezes, até imbecilizante. Em Sivas, apesar do seu protagonista ser uma criança, não existem aqui muitas dessas características. Educado numa sociedade onde masculinidade não só exclui qualquer fraqueza, mas também ternura, Aslan (“leão” em turco) parece sempre irado, sobrolho franzido de forma constante. Quando, após um combate de cães, resolve adoptar o cão que perdeu e que foi deixado para trás para morrer, Aslan é trazido para um mundo adulto de violência e negligência. Kaan Müjdeci não faz aqui, na sua primeira longa-metragem, um retrato da infância que conhecemos no Ocidente, mas de uma infância nas planícies da Anatólia.

Com uma imagem e uma montagem exemplares, Sivas peca pela incoerência e falta de objetivo da sua história. O tempo que passa entre cenas é variável e decisões importantes são tomadas sem que sejam reconhecidas. Para que esses intervalos sejam preenchidos pelos espectadores, esses saltos não podem ter grandes diferenças entre eles, correndo o risco de se tornarem incoerentes e insuficientes. O que se torna, a curto prazo, alienante e aborrecido. As pontas soltas e a falta de um final de algum tipo, também acabam por revelar uma falta de objetivo óbvio no filme.

Se há algo que sobressai, já que a narrativa é tão minada que não parece importar, é a masculinidade esmagadora e a violência dos combates. Mesmo com o aviso no genérico final de que não houve animais feridos durante as filmagens, a forma como são filmadas e editadas essas cenas acabam por se tornar preocupantes, numa mistura de crueza com entusiasmo perverso. Não há aqui qualquer crítica a esta prática, mas uma dedicação e uma edição que parece querer justificar o entusiasmo sentido pelos participantes. Em Veneza, apesar de ter ganho o Grande Prémio do Júri, o filme foi recebido com alguns protestos. Depois de o ver, é compreensível. Não é filme que queira ver uma segunda vez ou aconselhar a pessoas que gostem de animais.

Pode ser um filme interessante tecnicamente e de nos dar uma visão de uma masculinidade não ocidental, mas isso não parece chegar.

O Melhor: A imagem.
O Pior: Os combates.


João Miranda

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