Sábado, 20 Abril

«Aferim!» por João Miranda

 

Em meados do século XIX, na Valáquia (região que faz hoje parte da Roménia), um “xerife”, Constandin, de um boiardo local, procura um escravo fugido. Esta é a premissa que nos leva numa viagem através das planícies desta região no Western oriental com contornos picarescos. Radu Jude, no seu terceiro filme (na sua carreira e no IndieLisboa), parte deste cenário para nos mostrar as bases históricas para alguns dos problemas sociais que afetam a Roménia e a Europa hoje em dia. Não só a relação com a população Rom, que nesta altura eram tratados como sub-humanos, servindo como escravos, mas também com todos os países europeus, na boca de um padre que se lança numa diatribe em que estereotipa as várias nacionalidades.

Constandin é acompanhado pelo seu filho, que pretende educar na sua profissão e na vida. Para isso, recorre aos sistemas de conhecimento que lhe estão disponíveis: a Igreja (com várias referências bíblicas, mas também com corrupções, como aquela em que Aristóteles ensina a Alexandre, o Grande, os Salmos), a tradição popular (numa torrente constante de adágios e cantigas que concorre com Sancho Pança) e a sua experiência de vida. Se as situações à volta deles nos mostram a sociedade e abrem o filme, esta relação entre os dois acaba por torná-lo mais intimista e privado, num movimento oposto, mas complementar.

Temos assim um filme que nos mostra a forma como os indivíduos navegam pelos vários contextos geo-históricos e como tentam encontrar neles a sua posição e justificá-la recorrendo aos vários sistemas de conhecimento que têm disponíveis. Recusando focar-se numa altura de grandes mudanças, Jude consegue mostrar-nos a forma como estas estruturas sócio-gnósticas se perpetuam e se mantêm durante os séculos com poucas mudanças. A sua frase final mostra a impotência e adaptação dos indivíduos sobre processos históricos que os ultrapassam, bem como estes são construídos e mantidos sobre a pretensão de profundidade ou de autoridade: “Vivemos como podemos, não como queremos“. Aferim, Radu Jude!

O Melhor: A imagem; A complexidade temática.
O Pior: Algumas cenas prolongam-se um pouco demais.


João Miranda

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