Há qualquer coisa de “Bonnie & Clyde” neste “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa”, uma obra que traduz os códigos da road trip para a demanda ao ser selvagem presente em cada um de nós. Tal como diria o escritor de ficção Louis L’Amour,O caminho é o que importa, e não o seu fim“, citação que poderia ser muito bem arrancada do coração indomável deste filme de Gustavo Galvão, nem que seja pela influência máscula (ou mascarada) do western romântico onde as suas personagens parecem habitar, nada revelando sobre os seus juízos passados nem dos objetivos por concretizar. O que interessa aqui é o trilho que os leva a lado nenhum.

Porém, não julguem estar perante um extenso vazio, há muito por onde olhar nesta “Dose Violenta“. O filme não condiciona esse olhar, mas incentiva o espectador a procurar por entre as irónicas camadas que revestem as personagens, sempre rodeadas pela violência dos seus pertinentes pensamentos e induzidas a um mundo politicamente incorreto pela renúncia aos vínculos morais (com um subtil desejo homossexual a manifestar-se como a última tentação dos mundos dos ‘machos’ corruptíveis). Salienta-se a forma como Galvão renega as padronizações religiosas. Todas as personagens são corrompidas e os milagres da autoria de Jesus são outros para além daqueles com contornos bíblicos. Depois existe a fuga interminável ao capitalismo, denunciado constantemente por uma das mais ricas personagens –  e sobretudo mais lynchiana – deste universo (Marat Descartes).

É a vontade de regressar ao estado selvagem; de cortar os elos da domesticação social que o Homem parece prender. No registo de irreverência, Gustavo Galvão construiu ma fita machista, não reduzida ao sentido ordinário da palavra. Este é um hino à camaradagem masculina e à libertinagem que todos assumem de pulmões cheios. E quando falamos de masculinidade, é bom frisar que “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa” não se estabelece pelo corriqueiro estereótipo, preferindo antes a sugestão e o desconhecido. Aliás, essa é a grande força motora das suas personagens singulares. Pena é que a banda sonora voluntariamente improvisada não acompanhe simbolicamente e atmosfericamente esta viagem “a lado nenhum”.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
uma-dose-violenta-de-qualquer-coisa-por-hugo-gomesUm exercício másculo que nos leva a lado nenhum e ao mesmo tempo a todo o lado