Quarta-feira, 24 Abril

«Lura» por Hugo Gomes

Lura é a história de náufragos voluntários, reféns dos fantasmas do passado, eremitas que se tornam cúmplices da solidão. Manuel (Filipe Vargas) é o dito náufrago, não numa ilha, mas de uma casa abandonada que comporta como um pedaço relevante do seu passado, o qual o persegue incessantemente, sendo a sua única forma de luta e reconstrução dos laços corrompidos.

Luís Brás compõe aqui a sua primeira longa-metragem, um objeto pessoal que assenta no expressionismo das imagens e na linguagem corporal das suas sequências. Além disso, é um risco cinematográfico onde é possível ver o desenvolvimento do realizador, que a olhos vistos passa de um mero académico a um poeta visual com infinita abordagem.

Trata-se de um filme que recorre várias vezes às influências do fantástico. Tal como no clássico de Robert Wise, A Casa Maldita (1963), a casa de Lura expõe um magnetismo assombroso, uma personalidade transversal e fortemente pesada que se sente na personagem.

Mas essa força espiritual não se encontra no respetivo imóvel. Luís Brás herda a força expressiva das mãos e gestos de um M, de Fritz Lang, e, graças a tal, cria uma das sequências mais fantasmagóricas do cinema português recente. Para além do cenário, da atmosfera conseguida e toques metafísicos aludidos às diversas realidades, Lura é um portento técnico. Nesses termos, vale a pena salientar a fotografia de Leandro Ferrão (com acentuados toques de loucura) e a sonoplastia envolvente por João P. Nunes.

Lura funciona como uma revelação do cinema português e uma determinação de crescimento pessoal acompanhado por um afeto fraterno à arte de fazer cinema. Mas não deveríamos tecer tantos elogios a Luís Brás, até porque muito trabalho deve ser feito, nomeadamente em encontrar um elo entre a expressão fílmica e a credibilidade dos atos (diria que a loucura assenta demasiado cedo no seu protagonista). Por enquanto, uma coisa é certa. Lura é hipnótico e como primeira obra, tenebrosamente bela.

O melhor – a liberdade criativa constante de Luís Brás
O pior – a credibilidade da sua personagem principal


Hugo Gomes

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