Quinta-feira, 28 Março

«Incompresa» (Incompreendida) por Roni Nunes

Se o objetivo de Asia Argento fosse fazer uma pintura expressionista, ela poderia justificar esse retrato tosco da infância como uma tentativa consciente de borrar o quadro e exagerar nas formas e nas cores. Funcionando mais como um manifesto de revolta, Incompresa (Incompreendida) sobrevive pelas força das pinceladas, mas nunca pelo seu poder de elaboração. É certo que, em função disto, o filme ganha em personalidade e espontaneidade.

A obra trata da história de Aria, uma menina de nove anos ignorada (quando não agredida) pelos pais enlouquecidos e submersos num vórtice de fúria egocêntrica, maltratada por uma das irmãs mais velhas e completamente desprezada pelo menino na escola do qual gosta. Aquilo que tem de melhor, ou seja, o talento para escrever, tampouco lhe é de muita utilidade e, por vezes, só lhe resta a companhia de um gato que recolheu na rua.

Argento insiste em afirmar que o filme não é autobiográfico algo que, dado o seu histórico de declarações sobre o pai (o realizador Dario Argento) e o facto do seu verdadeiro nome ser Aria, é difícil de acreditar. E é pior para o filme se assim for pois, sem um carácter de grito de ódio visceral contra um passado injusto, esse desabar sobre uma criança de uma inacreditável torrente de desgraças (a lei de Murphy aqui funciona a 100%) tem a credibilidade da sua intenção claramente comprometida.

Isto porque, num sentido mais amplo, Incompreendida falha como tentativa de universalizar uma tragédia pessoal. Com uma forma de exposição demasiado bruta e grosseira, paradoxalmente só o cacráter over the top das violências físicas e psicológicas, aqui e ali intercaladas por traquinices pré-adolescentes, tornam o filme suportável.

É possível também referir outro exercício do mesmo género, O que a Maisie Sabe (é notável a semelhança entre as atitudes e personalidades dos pais da criança). A despeito de um enfoque cinematográfico mais tradicional, a obra de Scott McGehee e David Siegel soube tratar com mais delicadeza e eficácia parte daquilo que Argento pretendeu: demonstrar um estado de orfandade psicológica (e em alguns casos física) potencializada por progenitores afundados na egolatria.

Pior ainda se a sua obra for inserida na longa tradição do cinema italiano ao abordar a dura vida dos bambinis. De qualquer forma, não é um esforço totalmente perdido e, à custa de marretadas emocionais e evidentes acertos de casting, há algo que fica para o espectador.

O melhor: o elenco e a espontaneidade
O pior: falha na tentativa de universalizar uma tragédia pessoal


Roni Nunes

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