Sexta-feira, 19 Abril

«It Follows» (Vai Seguir-te) por José Raposo

It Follows chega às salas com estatuto de filme sensação da última edição do Festival de Cannes. Filme de culto com texturas e ambiências rebuscadas dos anos 1980, a segunda longa-metragem de David Robert Mitchell transporta consigo alguns traços de The Myth of the American Sleepover, o filme de estreia de Mitchell centrado na passagem da adolescência para a vida a adulta, e que nos momentos mais conseguidos mantinha uma postura auto-reflexiva em relação a todo um conjunto de convenções e atitudes do género, com Juventude Inconsciente de Richard Linklater enquanto referência mais óbvia.

Em It Follows o imaginário não andará muito distante desses motivos fundadores, apesar da novidade dos ambientes de horror com que Mitchell tinge os subúrbios de Detroit. Os traços de lenda urbana que motivam o enredo constituem um dos triunfos do filme, com uma narrativa ancorada no universo das relações amorosas e sexuais da adolescência: depois de ter sexo com o namorado, Jay (Maika Monroe, que ainda à pouco apareceu no The Guest), descobre que o seu parceiro a “infetou” com uma maldição que a irá perseguir por todo o lado, e que a única forma de se libertar é transmitindo a infeção ao próximo parceiro sexual. Em bom rigor, “descobrir” não será exatamente a expressão mais adequada, tendo em conta o contexto: momentos após a relação sexual, Jay é amordaçada e feita inconsciente pelo namorado; acordará presa a uma cadeira de rodas, debaixo de um viaduto, atordoada com tudo o que lhe está a acontecer, e é aí que o companheiro lhe conta o que se está a passar. É a primeira sequência em que o realizador levanta o véu da realidade que se esconde para lá das aparências, mostrando-nos aquilo que apenas os amaldiçoados podem ver: seres caídos na desgraça, caminhando sem rumo pelos destroços dos subúrbios.

Mitchell, ao fazer com que os contornos metafóricos da narrativa se mantenham suficientemente ambíguos, faz desta estrutura esquemática um dos seus meios de aproximação ao universo do mundo de sonho e pesadelo que caracteriza o cinema de horror que lhe serve de modelo e inspiração — a enunciação que tem vindo a ser feita a partir do triângulo sexo, adolescentes e subúrbio americano deve, aliás, ser suficiente para trazer à memória algumas lembranças de Michael Myers, ou Freddy Krueger. Halloween e O Pesadelo de Elm Street têm sido fonte de inspiração para muito do cinema horror que se tem feito desde então, mas não desesperem já os aborrecidos pelo cansaço do cliché: It Follows traz consigo o espírito de uma época, e é justamente isso que lhe dá a sua autenticidade (não falta a banda sonora carregada com o drone dos sintetizadores à la John Carpenter, de Disasterpeace, o projeto a solo de Rich Vreeland). Dito isto, não se tratará, ao contrário do que a crítica mais entusiasta tem feito questão de repetir, de uma revolução no cinema de horror: não existe aqui nada de novo, mas o que há é manifestamente inspirado.

Um dos traços dessa inspiração passa muito pela conseguida encenação da amizade de um grupo de irmãos e seus amigos, que fazem o melhor que podem para ajudar a aflição que paira sobre Jay. O contraste com alguns dos traços recorrentes do género é notável— uma variação mais ou menos cerebral, ou uma inversão daquilo que tem sido a norma, onde os sobreviventes vão morrendo sucessivamente até ao confronto final do herói perante o mau da fita. A amizade que une o grupo é antes um sinal imenso da plasticidade emocional e sensível com que Mitchell coloca em cena os seus personagens (o guião também é escrito por si), numa sensibilidade incomum no cinema de horror, e que nos momentos de maior intensidade chega a fazer lembrar o melhor de Sofia Coppola de As Virgens Suicidas. E isso é particularmente tocante nas cenas de interiores, em que os protagonistas se encontram isolados das ameaças do mundo lá fora, entregues a si mesmos e às suas angústias adolescentes.

Mas é sobretudo pelo fulgor visual da cinematografia de Michael Gioulakis que It Follows mais impressiona, nomeadamente pela forma como se serve do excesso cromático para se aproximar de estados mentais vizinhos da alucinação. O uso de panorâmicas, com a câmara a rodar sobre si mesma mais do que uma vez, é um dispositivo recorrente ao longo do filme, sendo aliás a maior fonte de suspense empregue por Mitchell. O efeito aqui é duplo: se o seu propósito fulcral passa por exacerbar a sensação de paranoia, da possibilidade de perigo eminente a qualquer instante, outra das consequências da lentidão com que Gioulakis move a câmara acaba por ser a forma eficaz com que contribui para o ambiente de pesadelo que atravessa toda a narrativa.

Excelente Mitchell, a dar continuidade ao bom momento da produção contemporânea no campo do cinema de horror.

O Melhor: Um exercício de estilo com vitalidade.
O Pior: A “set piece” do final não é muito imaginativa.


José Raposo

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