Sábado, 20 Abril

«Félix & Meira» por Hugo Gomes

A comunidade hassídica e a atriz Hadas Yaron parecem permanecer num compromisso matrimonial no cinema. Depois de ter sido consagrada com o prémio de Melhor Atriz no Festival de Veneza com Fill the Void (A Noiva Prometida), um retrato nada acusador dessa sociedade ultra-conservadora judaica, Yaron torna-se a musa de Maxime Giroux e Françoise Delisle nesta obra que incute o romance como um escape quotidiano.

Ela é Meira, uma judia hassidica que vive “aprisionada” aos costumes e às rígidas tradições da sua religião, em particular com o seu marido. Do outro lado encontramos Félix (Martin Dubreuil), um homem que tenta superar a morte do pai e que tece um magnético fascínio por Meira. Ambos, dois seres envolvidos na solidão dos seus dias, criam laços e uma cumplicidade entre eles que dificilmente os seus mundos anteriores poderão resgatar.

De certa forma despreocupado com a maneira como lida como o romance, Félix & Meira, centra-se mais como uma mera fórmula de “boy meets girl” e avança com uma fuga labiríntica, onde não falta uma atmosfera doce e melancólica. Este é um filme simples que nos conquista por isso mesmo, pela sua simplicidade sincera e terna (não verificamos nada mais explícito que o simples abraço caloroso), sem demasiadas convenções com a ficção cinematográfica, um pouco como Sofia Coppola conseguiu com o seu Lost in Translation: a “colisão” de dois mundos distintos entregues ao sentimento.

Para além de tudo, Félix & Meira é bem interpretado. Hadas Yaron prevalece num estado melancólico contagiante e sob um constante olhar de redenção para o cerco que a rodeia. Luzer Twersky, que desempenha o marido de Meira, consegue também conquistar-nos como uma personagem nobre, apesar disso não transparecer inicialmente.

A dupla Giroux e Delisle concretiza aqui um filme com fortes relações musicais: ambos os realizadores cresceram com a presença dos videoclipes e isso (sob uma boa vertente) encontra-se bem presente na narrativa e nas emoções das respectivas personagens, basta apenas verificar o efeito que After Laughter (Comes Tears), de Wendy Rene, tem em Meira, ou no desgostoso climax imposto por Famous Blue Raincoat, de Leonard Cohen.

Outras influências que poderão ser encontradas em Félix & Meira é a previsibilidade das influências shakespereanas, não apenas inseridas no romance impossível digno de Romeu e Julieta, mas na atração de Veneza como um ponto de refúgio (acentuado por uma atmosférica fotografia de Sara Mishara). Porque todo os seres merecerem o seu biótopo, sem amarras que os prendam. Muito mais que um mero romance de pacotilha!


Hugo Gomes

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