Quinta-feira, 28 Março

«Im Labyrinth des Schweigens» (Labirinto de Mentiras) por Hugo Gomes

A primeira longa-metragem do ator italiano radicado na Alemanha Giulio Ricciarelli, O Labirinto das Mentiras, é um thriller jurídico que nos remete a um dos momentos históricos mais marcantes da Alemanha pós-guerra e até mesmo do Mundo.

Esta história fictícia, que tem como base o julgamento de Auschwitz, decorrido em Frankfurt em 1963, onde 22 ex-guardas do campo de concentração foram constituídos arguidos e mais de 211 sobreviventes prestaram os seus depoimentos, é acima de tudo um produto cinematográfico que tem o intuito de incentivar o público a não esquecer os atos cometidos naquela época negra e do valor (des)humano que aquele lugar parece transmitir.

Hoje tido como um reduto do mal ou um cemitério símbolo, Auschwitz, localizado na Polónia, foi em tempos uma “pedra esquecida” por uma Alemanha que tentava renascer das cinzas e que sarava com custo das velhas feridas. Os atentados à integridade humana foram assuntos vencidos, prova disso,foi a ignorância das gerações seguintes, desinformadas sobre os atos e o local em questão. Entre elas estava Johann Radman (Alexander Fehling), um jovem procurador. Após questionar a natureza dos crimes cometidos naquele “conjunto de vedações, barracas e postos de vigia”, decide encabeçar uma das maiores investigações que a Alemanha testemunhou nos últimos anos.

Assumindo como um produto a roçar o policial, O Labirinto das Mentiras mostra-se como uma coletânea de horrores e personalidades que protagonizaram a “Solução Final” e outras barbáries ao serviço de um regime. À medida que remexe neste passado sangrento, o qual envergonha toda uma geração (“Nós, alemães devemos vestir o preto para sempre”, como é citado a certa altura), Radman abre uma autêntica caixa de Pandora e reivindica um movimento de colisão com os valores recém-estabelecidos da sociedade alemã à visão distorcida por injustificáveis pecados ideológicos, nomeadamente o Holocausto. São os filhos do nazismo, fruto geracional de um legado ocultado, que até mesmo as Nações Unidas encobrem (“os novos inimigos são os russos” refere um dos americanos do consulado dos EUA, quando confrontado com uma solicitação de acesso aos arquivos de Auschwitz).

Visto isto, O Labirinto das Mentiras evita por vezes a fórmula de investigação para explorar uma vertente mais intimista e existencial dessa herança maldita. Questiona o nacionalismo e debate-se sobre a integridade alemã. O desempenho sempre crescente de Alexander Fehling acentua essas fragilidades, assim como os dilemas propostos, apresentando-nos de forma figurativa as gerações enganadas que terão que conviver com os atos monstruosos cometidos pelos pais. Existe aqui uma certa influência das Banalidades do Mal de Hannah Arendt, a questão do dever militar sobre a consciência humana é diversa vezes citada e dissecada durante o embate com estes “monstros com cara de gente”.

Contudo, o filme acaba por se perder entre alguns subenredos que se guiem por becos sem saída. Por exemplo, a obsessão do nosso “herói” em deter Josef Mengele, o infame médico alemão (o “Anjo da Morte”, como é apelidado), autor de algumas das aberrações médicas cometidas a prisioneiros dos campos de concentração, “empapa” em demasia o fio condutor narrativo da mesma. Porém, não sendo nenhuma obra-prima ou algo transcendental, O Labirinto das Mentiras é um retrato de boas intenções que traz alguma emotividade ao tema, mas acima de tudo ilustra a superação de um povo contra os seus próprios demónios.

O melhor – um enredo divergente sobre uma temática (e lugar) por vezes embutida na cinematografia como uma figuração do Mal Puro.
O pior – a narrativa “engasga-se” com subenredos que não levam a lugar nenhum.


Hugo Gomes

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