Quinta-feira, 18 Abril

«Kreuzweg» (As Estações da Cruz) por Hugo Gomes

A religião é tida como um assunto delicado. Qualquer abordagem a ela é automaticamente uma declaração de guerra, seja ela séria ou cómica o resultado é inevitável. Enquanto falamos exaustivamente no nosso quotidiano sobre Estados Islâmicos e medos racionais ou irracionais do extremismo muçulmano, é curioso assistir um filme como As Estações da Cruz, um retrato sufocante sobre o fascismo religioso e a sua influência na nossa sociedade. Tudo isso esquematizado na personagem de Maria (Lea Van Acken), uma adolescente que tem a mais fatal das decisões: enveredar pelo caminho de Cristo, sacrificando o seu corpo em prol da preservação do seu espírito. O amor a Deus não é transmitido ao espectador, ao invés, a intolerância e a sobreposição de pensamentos, que de certa forma irão influenciar a jovem, dedicada a morrer para que o seu sobrinho de quatro anos, diagnosticado com autismo, possa proferir as primeiras palavras.

É penoso assistir a todo o processo de santificação, baseado nos ensinamentos mais fundamentalistas da Igreja Católica, mas Dietrich e Anna Buggermann tornam a experiência cativante através de uma narrativa composta por 13 longos planos, todos eles alusivos às 13 estações de Via Sacra de Jesus Cristo. Quanto mais avançamos na narrativa, mais conflituoso é o dilema de Maria, sucumbindo aos ideais religiosos, fortemente apoiada pela sua mãe intolerante. O primeiro plano, cerca de 15 minutos sem cortes nem mudanças de planificação, serve como introdução a esse “mundo” fechado, guiado pelo sofrimento e pela recompensa divina que é uma benevolente vida pós-morte.

O padre refere-se a esses sacrifícios como um modo de vida correcto e castiga severamente o júbilo e a melodia como invocações satânicas. Maria ouve atentamente o sermão e confessa-se interessada no sacramento. A partir daqui, como espectadores, ansiamos por uma salvação divina da doce menina dessas correntes teológicas, temos esperança que a martirologia seja “sol de pouca dura”, mas a contradição às nossas expectativas dará lugar a um dos finais mais penosamente satíricos. O par de realizadores aborda as dúvidas da crença e provoca uma dualidade no seu desfecho, porém, não poupam em castigos silenciosos e subliminares.

As Estações da Cruz é um filme desencantador, duro de assistir, mas inventivo na sua alusão narrativa. As personagens são eficazes na sua provocação, aptos para leituras que de certa forma transmitem a actualidade do nosso “Mundo”, cada vez mais à mercê das influências religiosas. Mas acima de tudo é um filme que ilustra hipocritamente a liberdade de escolha dos nossos filhos, mas com um pé sob a influência familiar e social. Por fim, tendo em conta a expansão do chamado cinema cristão, esta será uma obra dificilmente comercializada em território norte-americano, enquanto que em Portugal a sua distribuição parece demorar.

O melhor – A narrativa, a força dos planos e da história, as personagens e interpretações
O pior – porquê a demora quanto à sua estreia nacional?


Hugo Gomes

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