Sexta-feira, 19 Abril

«Everything Will Be Fine» por Paulo Portugal

Há coisas boas (e também más) na tentativa de regresso de Wim Wenders à espessura de um certo cinema clássico na adaptação que fez do romance do autor norueguês Bjorn Olaf Johannesen. O problema é que os méritos acabam por se abafar por tonalidades menos favoráveis. Fica assim a sensação de que a promessa de Everything Will Be Fine, numa inesperada opção por filmar em 3D, acabe por se diluir numa sensação incómoda entre aquilo que o material sugere e permite e um resultado que acaba por frustrar-se. Por isso, entre um “sim” ou um “não” a este filme, ficamo-nos por um mero “nim”, talvez por alguma irritação por ver desbaratados alguns seus trunfos. Fica assim adiado o regresso em força à ficção do autor de As Asas do Desejo ou Paris, Texas.

Vejamos, a trama de um escritor que mata acidentalmente uma criança e que acaba por, paradoxalmente, o ajudar a sair de um certo ‘writers block’, contém matéria prima para agarrar uma narrativa com a tal dimensão intemporal. Oportunidade aproveitada por Wenders ao acolher o material do romance de Johannesen, um escritor que descobrira durante um seminário de guionistas em Sundance. E até regressar em forma à ficção após as boas experiências do género documental, numa narrativa sublinhada pela tonalidade sonora do francês Alexandre Desplat (compositor também de O Jogo da Imitação e The Grand Budapest Hotel) a servir de adequado fio musical, algures entre um drama tintando de nuances thriller que por vezes nos remetem para o estilo de Bernard Hermann tantas vezes usado por Hitchcock. Ainda que aqui sem os momentos de intensidade dramática que o justifiquem plenamente.

Numa altura em que enfrenta alguma dificuldade em colher a melhor inspiração para o seu novo romance, o metódico escritor Tomas, interpretado por um pouco versátil James Franco, acaba por acidentalmente atingir um garoto que deslizava de trenó na ladeira da sua casa. Mas o que aparentemente não tinha passado de um susto para o garoto, acaba por ser fatal para o irmão que ficara debaixo do carro de Tomas. Um sobressalto dramático que acabará por mudar a vida de Tomas, do garoto Christopher, que será defendido em idade maior por Robert Naylor, e pela sua mãe Kate, a partir da sempre frágil Charlotte Gainsbourg.

Contudo, com o passar do tempo, apenas Tomas consegue superar o trauma chegando mesmo servir-se da sua experiência como forma de superação. Ainda que acabe por não salvar o romance com a companheira Sara, numa curta mas intensa prestação de Rachel McAdams.

Esse jogo de cura interior porque passam diversas personagens permite ao realizador alemão explorar um cinema de género e, até, sugerir uma maior aproximação às personagens através da opção do recurso ao 3D e da tonalidade musical de Desplat. Apesar da competente reprodução do efeito tridimensional, nunca se chega a perceber em que medida tal efeito estético nos aproxima da história. Pelo menos, nunca como o resultado que Wenders alcançara em Pina.

Ao longo de uma década, em dois saltos de quatro anos e um de dois, seguimos a forma como esta cicatriz é sarada pelos intervenientes. Franco e Gainsbourg, ambos movidos por uma certa placidez monocórdica, ao passo que Naylor revelará os sintomas mais evidentes de que “nada ficou bem” entre ele e Tomas, chegando mesmo a um estranho insulto com contornos urinários.

A verdade é que, incongruências a parte, desajustes narrativos, interpretativos e até musicais, subsiste a estrutura do castelo narrativo erguido por Johanssen que nos parece segredar “everything will be fine“… O problema é que fica a sensação de poderia – e deveria! – ser melhor do que é.

 

O melhor – O arranque do filme que promete levar-nos para algo superior
O pior – Perceber como os aspetos mais positivos são, afinal de contas, mitigados por falhas diversas.


Paulo Portugal

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