Sexta-feira, 19 Abril

«Alto Bairro» por João Miranda

O Bairro Alto é um daqueles locais onde várias topografias se sobrepõem, fulcro de vivências e movimentos sociais, económicos e históricos, muitas vezes antagónicos. Num momento em que a encenação da cidade para interesses turísticos e hedonistas ameaça o quotidiano de quem nela habita, o Bairro, com o seu fantasma de vida boémia, assistido pelos bares e pelas casas de fado, encontra agora um novo perigo: o das rendas que o governo permitiu serem aumentadas para valores insustentáveis para muitos. Contra todas estas leituras de espectacularização, Rui Simões consegue em “Alto Bairro” mostrar a realidade das pessoas que aqui habitam, as várias formas em que se organizam, vários movimentos culturais e a sua história.

Recorrendo essencialmente a entrevistas, o filme consegue mostrar uma faceta do bairro que resiste à estetização turística ou hedonista, colocando-se do lado das pessoas que nele habitam, por oposição àquelas que o ocupam temporariamente. Com capacidades de formalização maior ou menor, o Bairro vai ganhando nas palavras dos seus habitantes dimensões que só se vêem abrindo as portas e vendo o interior das casas, rejeitando a superfície das fachadas “pitorescas”. A “Noite” no Bairro assume um papel menor nesta realidade, não se vendo sinal dela na primeira meia hora do filme. Ainda assim, há um certo fascínio que escapa por um “outro bairro” dos anos 80, onde a primeira vaga de “cultura alternativa” começou a ocupar o Bairro, que se vê em certas entrevistas e imagens.

Estruturalmente, no entanto, Alto Bairro sofre de alguns problemas: com um episódio inicial fictício filmado a preto e branco e que pouco ou nada parece ter a ver com o resto do filme e com um final que, ao mesmo tempo que pretende mostrar a vontade das pessoas em resistirem contra a injustiça e a desigualdade que as medidas deste governo têm acentuado, acaba por cair na espectacularização que tinha sido evitada com cuidado no resto do filme. A ideia que fica, do final pelo menos, é que se trata de uma encomenda e que, ou por razões contratuais ou para agradar a quem a fez, se sentiu a necessidade de percorrer uma lista de tudo o que se há para ver no Bairro. Entre estes dois capítulos menores, Alto Bairro é um filme interessante que consegue mostrar a complexidade da realidade de bairros antigos em cidades grandes e turísticas.

O Melhor: Os vários níveis explorados; o mostrar as pessoas e o quotidiano.
O Pior: O capítulo inicial e o final.


João Miranda

(Crítica originalmente escrita em dezembro de 2014)

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