Quarta-feira, 24 Abril

«O Lobo Atrás da Porta» por Jorge Pereira

 

Inspirado num caso real passado nos anos 60 com a apelidada Fera da Penha (Neide Maia Lopes), O Lobo Atrás da Porta segue a história do desaparecimento de Clarinha, uma criança que é levada da sua escola supostamente por uma amiga da mãe, que teoricamente estaria doente para a pegar. Na verdade, esta é apenas uma desculpa para efetuar o rapto, descobrindo aos poucos o espectador que tudo está muito longe de ser um caso típico de sequestro/resgate.

Fernando Coimbra, o realizador aqui na sua primeira longa-metragem, afastou-se dos factos reais, criando novas personagens capazes de dar um sentido mais universal à obra, seguindo o espectador energicamente o desespero de um casal que tem de lidar com o desaparecimento da sua filha, mas também com as inúmeras mentiras presentes na sua relação. Não é à toa que o cineasta mostra por diversas vezes os seus protagonistas através de meros reflexos ou planos de ângulos diferentes, como que nos mostrando a forma dupla e maniqueísta como vivem e também como a sua vida é vista de fora por aqueles que os observam (como nós). E tudo isto é apresentado de forma anacrónica e extremamente atmosférica, onde uma terceira pessoa envolvida, Rosa, dá uma outra visão de toda a situação, não de forma tecnicamente muito diferente ao que Kurosowa fez em Rashomon, mostrando que muitas vezes a verdade não é algo definitivo, mas manipulável consoante a leitura de quem a conta. Nisto, o vilão e a vítima tendem a confundir-se, humanizando as personagens para além de serem meras figuras de cartão.

Assim sendo, O Lobo Atrás da Porta é um filme que triunfa, acima de tudo, pela riqueza das interpretações e pela tridimensionalidade do seu argumento, onde o drama (familiar), o thriller (do rapto) e o humor (transposto na personagem do policia) conjugam-se para um filme que apesar de não ser uma obra-prima, é um belo exemplo do bom cinema brasileiro bem longe das favelas.

O Melhor: Leandra Leal e a conjugação do drama, mistério e sarcasmo
O Pior: A escolha de seguir uma narrativa mais linear a partir de certo ponto tira algum fulgor


Jorge Pereira
(crítica originalmente escrita em dezembro de 2014)

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