Quinta-feira, 28 Março

«Amour Fou» (Amor Louco) por Roni Nunes

Obra da austríaca Jessica Hausner (Lourdes) que debruça-se sobre um período crucial da história europeia – as enormes transformações que sacudiam o continente após a Revolução Francesa e onde ia ficando cada vez mais claro o carácter fossilizado das monarquias germânicas que, mesmo a após a Restauração, nunca mais foram as mesmas.

O filme conta a história de uma dependente e meiga esposa, Henriette Vogel (Birte Schnöink), casada com um alto dirigente da burocracia prussiana, Friderich Vogel (Stephan Grossmann) e que, em função de alguns desmaios, é dada como moribunda pela atabalhoada medicina da época. Nos serões culturais da família perambula por lá um estranhíssimo poeta, Heinrich von Kleist (Christian Friedel), ícone do romantismo alemão, que, junto com a doença, vai abalar a serenidade da até então sossegada Henriette.

Livremente inspirado na morte do poeta, em 1811, Amour Fou é uma anedota muito germânica sobre a sua própria história: em vez de gargalhadas, a sua sucessão de slides da aristocracia prussiana vai gerando, aqui e ali, uns tantos sorrisos. É uma história de amor às avessas, com o “amor louco” do título cinicamente simbolizado nas bizarras tentativas de von Kleist em convencer uma mulher (Henriette é a sua segunda “aposta”…) em alinhar com ele num pacto suicida – “a eternização do amor na morte!”

Este álbum de família da nobreza alemã, onde a continuidade de planos fixos enquadra as suas peças sobre as cores ostensivas das paredes dos interiores, ironiza tudo – a começar por uma elite em turbulentos debates sobre conferir ou não mais poder a gente que não sabe tomar decisões (o populacho, claro). Depois de ridicularizar esta suposta sabedoria, Hausner ainda guarda para o existencialismo histérico dos românticos uma piada final.

O melhor: abordagem original de um facto histórico
O pior: é uma piada que nem sempre tem graça


Roni Nunes
(Crítica originalmente escrita em novembro de 2014)

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