Sexta-feira, 29 Março

«Jauja» por Hugo Gomes

Em Jauja, Lisandro Alonso emoldura Viggo Mortensen numa distopia silenciosa (em 35 mm) que interliga mitos e teorias de conspiração que muitos gostariam de penetrar, mas que não terão essa sorte perante esta obra envolvida em tão misteriosa aura.

A homónima localidade que serve de titulo ao filme foi em tempos um território a ser explorado pelos colonos espanhóis (dizimando por completo a população autótone, sem qualquer interesse em conhecer suas respctivas culturas, apenas designando-os somente de “cabeças de coco” como sinal de desprezo da “civilização” propriamente dita), em busca de uma alusão a El Dorado, a cidade perdida e “infestada” por ouro. Um paraíso que é muitas vezes referido na obra de Alonso, mas sem a forma necessária para o definir.

Em Jauja, o destino é mais incerto que o próprio percurso do protagonista, o capitão Gunnar Dinesen (Viggo Mortensen), um engenheiro dinamarquês que chegou ao território argentino acompanhado pela sua adolescente filha. O objetivo deste nunca é totalmente revelado, mas Dinesen é o condutor de uma narrativa que transpira falsamente a aventura e ao western norte-americano de um John Ford, por exemplo (para dizer a verdade, Jauja adquire um certo estatuto de “primo discreto” de The Searchers – A Desaparecida), no preciso momento em que a filha deste é levada por um soldado apaixonado em direcção aos recantos mais obscuros da longínqua pampa patagónica.

Daí segue-se uma aventura solitária, detalhada frame-to-frame e planificada de forma a que espectador demonstre receio pelas eventualidades que se abaterão na jornada de resgate. Lisandro Alonso evita close-ups e enquadra imensos planos cenários que servem não só para glorificar as paisagens remotas descritas, mas para nunca em momento algum criar um empatia do público com os personagens. Tudo resulta num filme visualmente esplendoroso, mas isente de qualquer emotividade e interesse nos seus personagens. Aliás, o realizador argentino lança-se ele próprio numa aventura especifica, a da distopia (mencionada no inicio do texto).

Assim são unidos o metafísico e até mesmo a ficção cientifica para transformar a obra num exercício mental, onde será o espectador a fazer o seu próprio filme. Não existe nada de concreto aqui, mas sim um desafio. Jauja não nos leva a uma civilização perdida de ouro derramado na sua forma mais literal, não senhor, mas concentrará um “what if” quase onírico, como se David Lynch tirasse férias e se lançasse em terras desconhecidas.


Hugo Gomes

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