Sábado, 20 Abril

«Jauja» por Roni Nunes

Se os norte-americanos acabaram por transformar as sagas dos exploradores do século XIX num género cinematográfico, vez por outra aparecem diferentes nações a reivindicar os seus próprios arquétipos mitológicos de um tempo de violência generalizada, de um duro processo de construção da lei social e de aguerridas batalhas contra um meio hostil.

Em tempos recentes, os australianos, com Escolha Mortal, de John Hilcoat e os alemães, com Ouro, de Thomas Harslan, traçaram este caminho – mas com abordagens muito diferentes. Enquanto no filme de Hillcoat o western clássico ganhava doses extras de realismo e ultraviolência, a obra germânica estava em maior consonância com este registo do argentino Lisandro Alonso. Por outras palavras, o silêncio e a dimensão psicológica são mais importantes que a ação.

A história desenrola-se na trajetória de conquista da Patagónia, a qual coloca um engenheiro dinamarquês (Viggo Mortensen) a milhas do seu país natal. Mas, para complicar a sua vida, ele leva consigo algo raro e apetecível naqueles confins – uma menina adolescente, sua filha (Viilbjørk Malling Agger). Ela própria a chegar numa idade pulsante, às tantas embrenha-se a meio da noite numa fuga com um nativo – pondo um pai desesperado à sua procura.

Mas não há aqui espaço para atos de bravura e odisseias de vingança nem para estereótipos fáceis de bom e mau. Mais propriamente, ninguém parece ser bom. O que existe, antes de tudo, são frágeis personagens completamente engolidos pela imensidão da natureza e filmados sempre à distância (na maioria das vezes de corpo inteiro). A ideia é reforçada pelos vários tempos mortos que acentuam a impossibilidade de um ato redentor.

Essa narrativa árida, quase toda ela apenas visual e onde só há música durante um curto momento, vai desaguar numa surpreendente viragem alegórica que tira completamente o chão ao espectador – onde diferentes camadas de tempo e espaço se misturam. Onde Alonso não espanta ninguém é no vai-e-vem do protagonista que entra e sai de cena durante tempo que podia ter sido melhor usado para lhe dar uma personagem devidamente composta.


Roni Nunes

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