Uma certa tradição delirante do cinema francês, representada em trabalhos como os de Jean-Pierre Jeunet e Michel Gondry, faz aqui mais uma colorida aparição. Em foco está o primeiro filme de Sylvain Chomet com atores de carne e osso depois de Belleville Rendez-Vous e O Mágico.
Em plena continuidade temática destes, Atilla Marcel vai também buscar um protagonista sorumbático, silencioso e triste, Paulo (Guillaume Gouix) a lidar com as consequências de um trauma de infância. A vida deste pianista criado por duas cuidadosas tias (Bernardette Lafont e Hélène Vincent) só sofre um abalo na sua resignada rotina quando entra em cena uma vizinha vidente (Anne Le Ny) que lhe fornece um misterioso chá. Este permite-lhe uma viagem aos perigosos recônditos da sua memória bloqueada (“O mundo da memória é como uma farmácia. Tanto se pode encontrar lá calmantes como coisas que nos envenenam”, diz-lhe ela). Certamente poderá vir daí a catarse libertadora, onde planam fantasmas de uma mãe afetuosa (Fanny Touron) e um pai (o personagem-título) assustador (novamente Gouix).
É magnífico o esforço da equipa de criação em sustentar esse delírio de Chomet que remete o seu filme para longe da banalidade do cinema comercial francês. Dos figurinos à direção de atores, dos cenários à música quase omnipresente, os mais diversos recursos contribuem para esta construção de um mundo submerso na mente do protagonista.
A favor do filme, diga-se que ele não naufraga no artificialismo exagerado de obras como A Espuma dos Dias, onde ganhava-se em surrealismo aquilo que se perdia em capacidade de emocionar, contar uma história e, principalmente, apresentar personagens palpáveis cuja sorte dissesse alguma coisa ao espeCtador. Mas, por outro lado, Atilla Marcel não escapa totalmente a estas armadilhas.
O melhor: a magnífica utilização de variados recursos cinematográficos
O pior: os excessos barrocos beiram o artificialismo não-emocional
Roni Nunes
(Crítica originalmente escrita em outubro de 2014)
