Reza a lenda que foi um casaco sobre a câmara a servir como uma forma de protesto para João César Monteiro. O resultado dessa sua revolta, e nem menciono a expressão verbal captada pelas televisões, foi acompanhado por um mediatismo canibal que posicionou o seu Branca de Neve como a) o grito sufocado de um autor contra o sistema, b) a demasiada liberdade dos cineastas portugueses, c) a auto-destruição do próprio Monteiro, tendo sido esta a sua última obra. Conforme seja a opção, avançamos assim adiante.

Caso idêntico é o de Wang Bing, o documentarista chinês que tanta estima tem no Doclisboa e que fora impedido de gravar o seu último trabalho, possibilitando-o apenas organizar o material que havia recolhido. Este é o seu “filme-protesto”, uma “colheita” de somente uma hora e meia de duração, o que parecia boa notícia para quem estava habituado aos seus pastelões isentes de edição. Contudo, termina por ser um grito silencioso e penoso de alguém que claramente deseja a atenção de todos nós, mais do que expandir a sua mensagem (se é que a tem).

Sim, mesmo tendo uma hora e meia, Fu Yu Zi (Father and Sons) é aborrecido, monótono e com todos os adjectivos associados a esse mesmo sentimento. Porquê? Porque invoca um exaustivo novo-realismo, cada vez mais na moda cultural e onde tudo se resume a dois ou três planos – cujo um deles se arrasta por 80% da narrativa.

Nesse mesmo plano somos confrontados com uma criança a viver em condições desumanas, mas que mesmo assim tem ao seu dispor uma televisão e um telemóvel. A primeira é perceptível graças ao imparável som que emana; a segunda, só não vê quem é cego. O plano em questão é fixo e de conjunto (academicamente falando), onde a dita criança assiste e “remexe” no seu telemóvel. E, somente isto. Por uns bons quarenta minutos. Até que, em certo momento, surge outra criança no plano, o irmão, como claramente se percebe. Mas ele limita-se a reunir-se ao “velho residente” e ambos acabam por continuar a rotina já retratada (citando João César Monteiro – “queriam telenovela?“).Esta sequência é tão longa que chegamos mesmo a presenciar o anoitecer em tempo real.

Por fim chega o suposto pai das crianças, o trabalhador que seria o protagonista deste novo filme de Wang Bing, o “herói mártir”, se não fossem as ameaças do seu respetivo patrão que impediram do cineasta “recolher” mais filmagens. Continuando, é então que o pai chega à acção e termina com o desligar de luzes, assim como o filme. Rápido? Nem por isso, basta lançar um olhar para o relógio para nos apercebermos que passaram hora e meia de duração.

Tempo, foi aquilo que insinuaram no início da sessão no Doclisboa. Sob um jeito metafórico, filosófico ou esotérico, uma coisa é certa: esse tempo não será devolvido. Agora, ou aceita-se ou dispersa-se da elite. A verdade é que Wang Bing já não se esforça, nem mesmo para protestar, mas talvez o problema seja do próprio festival em colocar um chamado “filme-protesto” em plena competição internacional de longas-metragens. Com Fathers and Sons, Bing continua a fabricar reality shows sobre a miséria humana e a vender-nos como se de um Van Gogh se tratasse. Obviamente, é o sistema de autor a funcionar como marketing cinematográfico. Quer queiram, quer não.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
fathers-and-sons-por-hugo-gomesO melhor - é um "filme-protesto"! / O pior - é um "filme-protesto"!