Terça-feira, 23 Abril

«Evaporating Borders» por Roni Nunes

Uma pequena ilha com 800 mil habitantes no meio do Mediterrâneo, o Chipre reúne em si todos os aspetos das crises de identidade e de relação com o estrangeiro que alastram-se pela Europa continental. Talvez por ser a realizadora, Iva Radivojevic, ela própria descendente de emigrantes (que lá chegaram fugidos das guerras balcânicas), que o seu testemunho soa tão desapiedado. De facto, poucas vezes se verá um retrato tão azedo do próprio país.

No centro da sua montagem em cinco capítulos (e um pós-scriptum, um belo poema de um egípcio desterrado) sobre a ilha, Radivojevic exibe uma nação dividida na sua própria origem entre gregos e turcos, fala de mulheres romenas escravizadas na indústria do sexo e de estudantes asiáticos que pagam fortunas por um ensino débil – compondo um quadro sombrio onde só se encontra beleza nos flamingos em trânsito sazonal.

Mas são os centros de refugiados e a aguda questão da emigração que dominam o registo. A obra mostra a forma como estes locais funcionam, com pessoas em fuga do Médio Oriente amontoadas enquanto esperam uma solução e os guetos que se formam nas periferias. Para completar o recheio, os inevitáveis neonazis e os políticos de direita a pedir a expulsão dos “visitantes”.

Os temas não são novos e, dada situação da Europa, tendem a tornar-se cada vez mais presentes na arte, reflexo da sociedade. Na sua simplicidade visual e narrativa, Radivojevic não se deixa inebriar pela forma esquecendo o conteúdo, evitando planos contemplativos inúteis que refletem mais preguiça investigativa e narrativa do que significado profundo. Se, por outro lado, o filme não tem soluções de grande imaginação (o ponto alto, um puro acaso de sorte, é uma entrevista concedida por um feirante interrompida por uma estrangeira que pede esmola) a realizadora cipriota dá conta do recado, passando a sua mensagem de maneira clara e consistente.

O melhor: passa a sua mensagem de forma clara e consistente
O pior: nunca a chega a ser surpreendente ou particularmente imaginativo


Roni Nunes

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