Sexta-feira, 29 Março

«La Creazione di Significato» por João Miranda

A Europa é, apesar de séculos em comum, uma construção recente. Ainda há pouco tempo todos os países se degladiavam em lutas sangrentas cujas memórias e vestígios ainda se encontram por todo o lado. Nas montanhas da Itália, onde a Resistenza lutou contra os alemães, o passado sobrepõe-se ao presente, com a presença alemã agora a assumir outras formas de ocupação, quer turística, quer económica.

La Creazione di Significato é um título que poderá ou não ter a ver com o filme, parecendo algo mais pomposo ou mesmo pretensioso do realizador. O filme pretende ser uma exploração das memórias da resistência do passado e o confronto com as da crise do momento, mas o seu ritmo e uma forma insuficiente faz com que não o consiga fazer muito bem. Veja-se o caso da curta inserida no meio do filme, a propósito de nada, e que não traz nada ao filme a não ser uma ruptura com o que tenta fazer antes e depois.

Há aqui uma leitura que pode ser feita, onde a vida rural é apresentada como uma forma de luta anti-capitalista, mas, a ser esse o caso, é-o feito de forma inconsequente e sem se lembrar de que esse argumento já foi apresentado antes por regimes autoritários. Num momento em que a União Europeia, ainda mais recente do que a Europa, está a hesitar lidar com a extrema-direita na Hungria e os movimentos conservadores anti-europeus no seu parlamento, é perigoso que esta mensagem seja passada de forma acrítica. Sim, podemos reconhecer a importância da agricultura e da pecuária na autonomia europeia, mas leituras demasiado regionais dessa importância são os argumentos apresentados por esses movimentos reacionários. Se o mundo está neste momento sobre um regime económico não-regulado e que prejudica as nações, não será localmente que se poderá encontrar soluções.

O filme, em si, tem momentos bonitos, mas o ritmo lento e a incoerência da sua montagem faz com que se torne aborrecido. Mesmo assim, e só pelo aspecto técnico, é possível que venha a ser reconhecido com um prémio no festival, como já aconteceu lá fora. Pena é que, como produto cultural, seja tão pequeno e retrógrado.

O Melhor: A paisagem.
O Pior: Os valores reacionários que defende de forma inconsciente.


João Miranda

Notícias