Sexta-feira, 29 Março

«Cheol-ae-kum» (A Dream of Iron) por João MIranda

Após uma separação amorosa provocada por uma procura religiosa, o parceiro rejeitado inicia a sua própria procura de um possível deus. Esta é a base, construída sob a forma de cartas, para Cheol-ae-kum, de Kelvin Kyung Kun Park, sobre a qual vai desenhando várias linhas que se vão intercortando: cartas e narrativa amorosa, deus e o sublime, cerimónias budistas, baleias e as indústrias siderúrgica e naval da Coreia do Sul. O fio condutor entre elas é ténue: parte de petróglifos de Ulsan, onde são visíveis baleias (daqui as imagens deste animal) e se imagina um qualquer culto primitivo (representados pelas cerimónias budistas), mas, como estes petróglifos foram submergidos para dar caminho a uma “modernidade” (Hyundai, o nome da indústria, vem da palavra coreana para esse conceito) e as novas formas do sublime, neste caso industrial (sendo apenas um pretexto para explorar a história da siderurgia nacional), acaba nas várias atividades que constituem esta indústria.

Se se pode argumentar a originalidade da exploração metafísica nas imagens da indústria de proporções enormes e da sua sobreposição com as baleias (quase como um modelo para as criações modernas) e das repetições industriais com as das cerimónias, por outro lado, há algo neste filme que não funciona. A sua ambição é grande, mas falha na sua concretização. Veja-se a montagem incoerente, as imagens que se seguem sem sentido conceptual ou estético, ou a forma como entrevistas aos trabalhadores ou a utilização de imagens de arquivo parecem contrastar na sua banalidade terrestre (quer a nível de tema, quer a nível de tom) com a poesia procurada no resto do filme. Sim, a fotografia pode ser bonita, mas uma sequência de imagens bonitas não faz necessariamente uma montagem poderosa.

Outro dos elementos mais fracos do filme é o som, tanto a música, como o desenho sonoro. A música é pouco imaginativa, repetitiva e, pior ainda, intrusiva, não conseguindo a maior parte das vezes acompanhar as imagens que era suposto apoiar. O desenho do som acaba por ser agressivo, não só porque o ambiente sonoro industrial o é potencialmente, mas também porque os sons escolhidos para as outras cenas são ladaínhas ou cantos de baleias não particularmente melódicos. Não proponho que se falsifique a natureza de qualquer um destes elementos, mas, quando se desenha o som para um filme, tem de se pensar no resultado que a exposição prolongada a sons deste tipo terá sobre o espectador. Que o digam as várias pessoas que abandonaram a sala durante a exibição.

O Melhor: A fotografia; a ideia.
O Pior: A incoerência da montagem; a música e o desenho do som.

João Miranda

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