João Botelho declarou em relação ao seu Quatro que o cinema é descrito como uma “arte-vampira”, materialmente dependente das outras artes e que “suga” os seus vários elementos. Talvez seja esta a desculpa que o realizador precisava para insinuar a falta de rumo neste seu novo documentário, uma peça erguida pela sua admiração por quatro artistas portugueses, mas sem grande devoção.

O problema do filme é a maneira como utiliza e reutiliza o material reunido e a forma como tudo é exposto na tela. Sendo assim, são quatro segmentos, cada um deles direcionados a um artista (curiosamente dois pares de irmãos), com cada capitulo formado por uma estrutura de tributo. Porém, nota-se o desleixo com que Botelho larga tal forma para pairar no oblívio.

O primeiro ato, talvez o mais interessante e bem conseguido, reflete a essência artística de João Queiroz, um pintor que tentar encontrar um elo sensorial com a natureza. Sob uma narrativa académica, deliciosamente caricaturada em “exercícios” como João Botelho expressa (dando a tarefa de narrador aos atores Diogo Dória e Miguel Guilherme), o número 1 é o que mais se aproxima da manifestação do artista e harmonioso artesão. Depois temos o numero 2, com os ecos da dedicação do artista vistos no ato anterior. Contudo, o elo entre espectador e o autor, Jorge Queiroz, é mais longínquo e, devido a tal, a narrativa aufere um certo snobismo e egoismo nas formas da sua arte. É difícil interpretar o trabalho de Jorge, não pela sua natureza, mas pela forma com que o realizador expõe o seu trabalho, crú mas indigesto, minado por uma escolha sonora deslocada.

Chegada a vez do terceiro número, Pedro Tropa leva-nos às montanhas, aos altos picos gelados e com isso a fotografia de João Ribeiro expressa o seu esplendor. Triste será dizer que, mesmo assentado na beleza visual, o 3 é o mais ausente de todos os capítulos. João Botelho ignora a narrativa e expõe imagens soltas e uma banda sonora que capta uma ênfase interrompida, ao invés de uma coligação harmoniosa entre o espectador e o biótopo artístico de Pedro. Com o quarto e último, Botelho esquece de uma vez por todas o que vem construindo e oferece com todo o grado a batuta ao escultor e artista plástico Francisco Tropa, que tem a tarefa árdua de levar o espectador, já fatigado pelo rumo da obra, aos seus próprios devaneios artísticos. O artista ficou com esta ingrata posição.

Quatro é no seu todo um documentário pessoal e lisonjeador, mas sem a força necessária para transmitir a conceção de ideia ao espectador. Tal como os “maus poetas”, João Botelho compara forma com o conteúdo.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
quatro-por-hugo-gomesO melhor - o primeiro ato O pior - o desleixo  no resto dos atos