Sexta-feira, 29 Março

«Gemma Bovery» por Roni Nunes

 

Tudo indica que a cineasta francesa Anne Fontaine um dia ainda fará um grande filme, já que este é o seu segundo remate no poste consecutivo. Tal como em Paixões Proibidas, lançado por cá no ano passado, ela aqui aventura-se novamente por histórias tortuosas e, diferente do seu antepenúltimo filme, uma comédia insossa com Isabelle Hupert, não se pode acusá-la de falta de ambição.

Gemma Bovery, como o título sugere, propõe-se a um cruzamento de cinema e literatura unindo através de paralelismos o destino de seus personagens com os do clássico de Gustave Flaubert, Madame Bovary. A protagonista é a sempre explosiva Gemma Arterton, que vive uma decoradora inglesa que muda-se para uma terriola da Normandia com o seu marido Charles (Jason Flemyng). Quem narra os acontecimentos a partir da sua chegada é o dono da padaria local, Martin Joubert (Fabrice Luchini), que vai acompanhando deliciado os passos da nova Bovery.

Dada a imensa capacidade de direção de atores de Fontaine, o que se lamenta por aqui é mesmo o argumento escrito por ela e por Pascal Bonitzer (realizador de um bom filme, Cherchez Hortense) que criam personagens que parecem não ter tido uma única vírgula de escrita de background. Tanto Charles quanto outro personagem central, Hervé de Bressigny (Niels Schneider), por exemplo, são desprovidos de qualquer composição. Já Arterton é reduzida a sua figura sexy o que, se não vai chatear a plateia masculina, em termos dramáticos é uma imensa perda que não se ofereça ao espectador algo mais sobre as motivações para os seus atos do que planos de uma mulher entediada a olhar pela janela.

O personagem mais bem delineado é o de Luchini, que insere um contraponto cómico na história e cujo caráter voyeurístico e metaliterário o aproxima de seu trabalho em Dentro de Casa – onde as demais semelhanças, aliás, remetm a uma comparação com a obra-prima de François Ozon de resultado extremamente desfavorável para o filme de Fontaine.

Talvez a explicação esteja na associação do filme com o livro: os argumentistas parecem querer dizer que quem leu o livro não precisa de maiores explicações. Quem não leu, fica com um belo trabalho de direção e fotografia e alguns momentos sensuais (poucos, mesmo assim) e outros divertidos – particularmente a sequência final, bastante engraçada.

O melhor: o personagem de Luchini, a sequência final
O pior: personagens mal construídos


Roni Nunes

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