Quinta-feira, 25 Abril

«Libre et Assoupi» por Roni Nunes

“Eu não nasci prá trabalho/Eu não nasci prá sofrer/Eu percebi que a vida/É muito mais que vencer”. O protagonista “livre e sonolento” do título, Sébastien (Baptiste Lecaplain), nunca ouviu o cantor brasileiro Ed Motta, mas este trecho da música Vamos Dançar sintetiza bem o lema da sua vida: não fazer rigorosamente nada.

Ao contrário do que se pensa, não é uma tarefa fácil: são os sermões exasperados dos pais, os compromissos com a segurança social para obter subsídios, as justificações para os amigos que o acusam de viver às custas da sociedade – para além de um momento “tenso” quando uma senhora levanta um verdadeiro motim pelo simples facto de o ver sentado no banco do parque todos os dias quando vai trabalhar.

Mas estes “problemas” de forma alguma afetam o obstinado empenho de Sébastien na prática da sua “profissão de fé”, a ponto de nem a evidente atração que exerce sobre a sua colega de apartamento, Anna (Charlotte le Bon), o fazer mover-se em direção do que quer que seja. Sim, porque ele faz questão de ser imprestável em todas as circunstâncias: quando, num momento a meio do filme, se diz apaixonado por uma misteriosa mulher e um amigo pergunta se ele vai à procura dela, a resposta é um sonoro “não!”

Essa comédia de Benjamin Guedj vai mais longe do que parece a princípio, numa altura em que as obras cómicas francesas andam a ganhar uma terrível conotação graças a enxurrada de maus filmes que têm sido lançados no mercado português nos últimos tempos.

Para já Libre et Assoupi sai-se bem num terreno muito característico do cinema francês, a verborreia. Afinal, é raro ver tantas vezes em cinematografias por aí afora as torrentes ininterruptas de diálogos que estonteiam o espectador. Mas, se a qualidade for boa, ninguém se chateia e Guedj, também autor do argumento, bombardeia a assistência com filosofias para todos os gostos. Nestas se sobressaem espertamente um verdadeiro tratado de cunho social (o que é viver à margem recusando-se a aderir ao grande mito da sociedade industrial – o “trabalhar”) e outro existencial – expondo a forma “fantasmagórica” com que Sebastién decide passar pela vida.

Sobra ainda munição para personagens divertidos nas suas singularidades e algumas cenas hilárias – como a do museu. Libre et Assoupi reúne o melhor de um feel good movie à francesa: é inteligente, pertinente e engraçado. O fôlego não chega para tudo e existem alguns momentos, especialmente no final, demasiado formatados.

O melhor: é inteligente, pertinente e engraçado
O pior: alguns momentos demasiado formatados


Roni Nunes

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