Quinta-feira, 28 Março

«New Territories» por Roni Nunes

Talvez pela atração irresistível que as suas luzes muito particulares evocam na imaginação dos ocidentais, não são raros os retratos do Extremo Oriente onde o realizador deixa-se seduzir e quase que se “conduzir” em longos passeios pelas suas ruas e paisagens urbanas. Travellings, efeitos óticos, panorâmicas vão revelando uma China na sua grandeza e nos seus pormenores – uma proposta semelhante, por exemplo, ao luso A Última Vez que Vi Macau.

Mas, enquanto no filme português uma obscura trama policial prestava-se a atmosféricos devaneios sem necessidade de uma grande lógica narrativa, o ponto de partida da cineasta francesa Fabianny Deschamps para este New Territories exigia-lhe mais.

Em contato com o Oriente há alguns anos, a realizadora foi surpreendida por uma notícia que leu num jornal: o desaparecimento de pessoas em aldeias do Sudeste chinês. O seu destino: serem assassinadas para que os seus cadáveres sejam vendidos a preços elevados a supersticiosas famílias camponesas que, por razões religiosas, não suportam a proibição pelo Estado do enterramento no solo. Assim, este procedimento é feito às escondidas numa floresta e o cadáver adquirido é entregue às autoridades para cremação.

Apesar de todo o realismo intrínseco à esta premissa, Deschamps optou por outro tipo de registo. Mais do que um documentário investigatório, New Territories é antes uma construção artística que mergulha o espetador numa espécie de puzzle com voz off enquanto intercala dois processos: o desta narrativa vinda do “além” e que reclama justiça, e os trajetos de uma ambiciosa executiva francesa em Hong Kong empenhada em vender aos chineses uma nova (e sedutora, para um país de população tão numerosa) forma de incinerar corpos, a hidrólise alcalina.

Esta abordagem trás as qualidades e as armadilhas do costume. Por um lado, permite ao espetador ser surpreendido por uma estrutura não linear e que, após o desaparecimento da sua narradora a meio do obra, deixa-o entregue a uma a um silencioso processo de uma vingança muito singular – culminando com a belíssima imagem que tinha aberto o filme. Por outro, a objetividade que o assunto exige é comprometida – a ponto de registos documentais da publicidade da empresa que vende os tais procedimentos soarem completamente deslocados dentro da opção escolhida.

O melhor: as surpresas das construções não lineares
O pior: a objetividade é inevitavelmente sacrificada


Roni Nunes

 

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