Quinta-feira, 28 Março

«Eastern Boys» por André Gonçalves

Transitando de um grupo de mortos-vivos sem sinais de putrefação, que voltam a um mundo que já não se encontra pronto a os acolher, a um grupo de emigrantes de Leste que sobrevivem também num mundo alheio a eles e que não está também disposto a recebê-los, parece óbvio que o realizador Robin Campillo está interessado em contar histórias originais e à margem do que podemos esperar dos respetivos géneros.

Neste Eastern Boys acompanhamos durante uma cena muito longa no terminal estes jovens imigrantes à deriva, até a câmara se focar num cinquentão, Daniel, que convida um deles para ir lá a casa e… satisfazê-lo. Só que este convite depressa se revela um engodo num segundo capítulo bem desconfortável e onde uma panóplia de sentimentos se misturam. Seguem-se mais dois capítulos, cada um revelando uma abordagem diferente e, no espaço de duas horas, temos aqui matéria de discussão para quatro ou mais.

Campillo é capaz de meter no mesmo espaço adopção gay, prostituição masculina e imigração ilegal e de nos questionar sobre a evolução romântica e humana das suas personagens. Por um lado, nada de novo para quem tinha visto a sua primeira longa-metragem, entretanto transformada em série de culto. Por outro, dado o peso dos temas com que lida, é incrível como consegue manter toda a seriedade nesta transição entre carência sexual e amor paternal.

Foi pelo menos a proposta mais ousada vista aqui nesta edição do Queer, isto se não foi a melhor. Se o final à la “Stallone” com pinceladas fortes de drama social pode enfurecer alguns, pessoalmente acho, em retrospetiva, que o filme tenha merecido o suficiente para essa expansão. De qualquer das maneiras, Campillo está já no mapa de realizadores a ter em conta com futuros projetos, que esperemos nós sejam pelo menos tão ambiciosos como os que já nos trouxe.

O melhor: a maneira madura como aborda três temas tão complexos ao mesmo tempo
O pior: a secção final um pouco mais facilitista (com ecos de filmes de vingança de Stallone e companhia) que as três que a antecederam, embora ainda assim de perder o fôlego

 


André Gonçalves

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