Sexta-feira, 29 Março

«Profezia. L’Africa di Pasolini» por Roni Nunes

É comum no universo dos documentários surgirem trabalhos estilisticamente acomodados e dependentes da força do seu conteúdo que, se for realmente relevante, justifica por si só a sua existência. Nestes casos, fica-se pelo expositivo, com narrativa em off e os campos e contracampos das entrevistas. A trafegar na medida extremamente oposta, os realizadores italianos Gianni Borgna e Enrico Menduno não podem ser acusados de padecer deste tipo de preguiça mas, antes pelo contrário, pelos seus excessos.

O filme adentra pelo universo político dos anos 60, onde o poeta e depois realizador Pier Paolo Pasolini se debatia contra as injustiças e sonhava com a revolução política – seja na sua arte, seja na sua postura no interior da sociedade. Já nesta altura, o cineasta andava completamente desiludido com os rumos que o desejo de mudança ia tomando nas periferias das grandes cidades do seu país, cada vez mais dominadas pelo consumismo. É neste momento que ele volta a sua atenção para o chamado “terceiro mundo” (o que hoje se designa eufemisticamente como “países em desenvolvimento”) em geral, para o continente africano em particular.

Os problemas deste documentário começam quando ele deixa-se contaminar pelos devaneios estéticos da matéria-prima, ou seja, o cinema contestador dos anos 60 que, frequentemente, misturava política com poesia – como demonstra o cinema do próprio Pasolini e do seu “afilhado”, Bernardo Bertolucci, que iniciou sua carreira como assistente dele (e aqui concede declarações bastante interessantes). Mas uma coisa é o cinema de ficção da altura – outra bem diferente é um documentário sobre ele. E daí que este filme surge como uma amálgama de tal forma desfocada que nem se adivinha facilmente aquilo que pretende.

Por outras palavras, Profezia. L’Africa di Pasolini adota um distanciamento demasiado livre do formal, gerando uma colagem confusa e repleta de simbolismos obscuros. A figura de Pasolini surge como que num espelho estilhaçado – há excertos biográficos, algumas análises de filmes, entrevistas, cartas e poemas, tudo atirado para dentro de um todo frequentemente vazio de significado. Aproveita-se, no entanto, o próprio poeta/realizador: no meio do maralhal surgem as visões dos seus poemas e a acutilâncias das suas ideias, que mereciam uma homenagem menos obtusa.

O melhor: colagem de fragmentos demasiado livre, com um todo confuso
O pior: os poemas e as ideias de Pasolini


Roni Nunes

 

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