Sexta-feira, 29 Março

«Xenia» por André Gonçalves

Xenia é um conceito grego que significa hospitalidade, generosidade e cortesia por quem vem de fora.

É um nome forte, e extremamente irónico, para descrever uma história “almodovariana” de dois irmãos albaneses numa Grécia atual completamente fraturada, marcada por uma ascensão da extrema-direita que inspira sentimentos de homofobia e xenofobia.

Danny e Ody(sseas) são os irmãos. Um, gay assumidíssimo, consumidor compulsivo de chupa-chupas e doces afins, deixou Creta após a morte da mãe, viajando com o seu coelhinho de estimação. O outro, tem um trabalho como empregado de restauração, mas tem um sonho por cumprir – o de ser um cantor de sucesso, cumprindo assim também o sonho da mãe falecida. Os dois viajam pelo país fora, cumprindo assim um 2 em um: a busca do pai desaparecido das suas vidas, e a participação de Ody num concurso de talentos local, imitando a diva favorita dos irmãos: Patty Pravo.

O cinema grego tem tido uma mediatização notória nos últimos anos desde a grande pedrada no charco que foi Canino de Lanthimos, certamente um dos mais chocantes nomeados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Desde então, vimos muita cena esquisita/surreal, desde um rapaz a comer comida de pássaro para sobreviver (Boy Eating the Bird’s Food), a um grupo de pessoas que inventaram uma função de substituir/interpretar recém-falecidos (Alps, do mesmo Lanthimos), sempre com a crise grega à espreita. A crise está também aqui presente, mas este será o filme mais “light” (e com a mensagem mais positiva) que vi saído desta nova vaga grega, lembrando, lá está, um Almodóvar dos anos 80 – sobretudo pela maneira hábil de fazer humor com situações desconcertantes e potencialmente trágicas e pelo amor ao “camp” e ao universo “queer”, na sua vertente mais espalhafatosa e querida.

Foi um dos filmes sensação em Cannes na competição Un Certain Regard, e tem tudo para triunfar fora do circuito dos festivais – esperemos apenas que alguma distribuidora pegue nele por estas bandas.

O melhor: não ter medo de cair no ridículo
O pior: tal como Almodovar nos anos 80, sentimos que há espaço de manobra para Panos Koutras atingir um maior equilíbrio/maturidade com o tempo


André Gonçalves

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