Quinta-feira, 28 Março

«The Look of Silence» por Fernando Vasquez

Há dois anos atrás a chegada em cena de The Act of Killing revolucionou por completo a forma como olhamos para a velha e delicada arte do cinema de documentário. O impacto do filme não passou despercebido a ninguém, criando polos opostos entre aqueles que descobriram a pólvora e aqueles que se chocaram com o filme ao ponto de o atacarem de forma extremamente agressiva.

Seguramente o realizador norte-americano Joshua Oppenheimer ficou mais tocado com aqueles que se posicionaram no segundo campo, e responde agora com The Look of Silence, a continuação da analise do massacre “anti-comunista” conduzido pela ditadura Indonésia nos anos 70, que por mais incrível que pareça é possivelmente mais marcante do que o primeiro capítulo.

Ao contrário de oferecer uma plataforma para criminosos de guerra descreverem detalhadamente as suas ações, como aconteceu em The act of killing, desta feita o cineasta foca a sua atenção nos familiares das vitimas, em particular em Adi, um oftalmologista que nunca conheceu o seu irmão, vitima da perseguição, e parece agora querer abrir os olhos de uma nação inteira. Ao fazê-lo, Oppenheimer humaniza os acontecimentos de forma extremamente eficaz, ridicularizando ainda mais o orgulho facilmente identificado na voz e sorrisos daqueles que foram capazes de cometer atos tão incrivelmente bárbaros.

Ao longo do filme Adi confronta varias das “personagens” grotescamente reais do primeiro filme, sempre com um respeito e cuidado de cortar a respiração. O desconforto é notório mas Adi sabe que a melhor maneira de atingir os resultados pretendidos é mantendo uma aparência de respeito. À medida que os encontros vai subindo de tom percebemos rapidamente que apesar dos acontecimentos terem acontecido décadas antes, o reabrir de velhas feridas continua a ser uma quase sentença de morte, como facilmente constatamos quando um ex-chefe militar, irritado com as perguntas do medico, diz: “Nem imaginas o que te vamos fazer“.

É inevitável pensar que o fim não justifica os meios. A produção de um filme não devia por em risco aqueles que nele contracenam ou trabalham. Apesar da constante sensação de risco, que deixou a audiência de Veneza em polvorosa, e resultou noutro filme em que os créditos são maioritariamente anónimos, Oppenheimer é suficientemente perspicaz para nos oferecer razões pelas quais The Look of Silence é tão necessário.

O filme abre com uma sala de aulas nos tempos modernos, onde um professor da primaria descreve os militares que cometeram tais crimes como autênticos heróis nacionais; a perpetuação da mentira no seu auge de eficácia. Um dos alunos é filho de Adi, que perante a confusão natural com duas versões tão opostas da historia levam o pai a embarcar numa busca incessante pela verdade, apesar do medo expresso pelos familiares. As mentiras que levaram a tão horrendos acontecimentos continuam bem vivas apesar do final da ditadura. A sociedade indonésia continua incapaz ou demasiado receosa de os abordar e o resto do mundo insiste em fechar os olhos para as verdadeiras razões que levaram a tão trágico período, em grande parte por terem jogado um papel que foi muito além de cúmplice silencioso.

The Look of Silence, um filme obrigatório como poucos outros, que funciona independentemente do filme que o precede, responde a tudo de entrevista em entrevista, lançando as farpas para o inicio de um debate sobre como uma nação inteira é capaz de compactuar com o absurdo e décadas depois continuar sem perceber como tudo aconteceu. O cenário pode ser a indonésia, mas está é uma historia transversal ao planeta inteiro.

Seguramente muitos dos críticos de The Act of Killing voltarão ao ataque e serão de novo postos à prova pelo sadismo inerente da lente de Oppenheimer. Em particular com o final do filme, altura em que somos confrontados com o velhíssimo pai de Adi, cego e praticamente surdo, incapaz de andar, arrastando-se sozinho numa sala a pedir desesperadamente por ajuda, sem que a câmara, ou aqueles por detrás dela, ofereçam qualquer conforto ou ajuda. É cruel e desconfortável assistir a semelhante espetáculo. Mas sejamos honestos, existirá melhor metáfora para descrever uma geração inteira perdida na escuridão da mentira?

A resposta de Oppenheimer é claro, tornando esta obra possivelmente no documentário mais vital do ano.


Fernando Vasquez

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